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Vai esfriar, dizia Tia Fátima lá num dia de abril, sol quente no céu azul, e ela:

– Tô sentindo nos ossos... – esfregando as mãos como se já nevasse. Mas de repente pulava:

– Vamos fazer pipoca! – e, como se obedecendo a um ritual que começava na panela e terminava no céu, o dia seguinte esfriava, nublava, ventava; casacos e até cachecóis saíam dos armários, botas voltavam a ver a luz do dia, cobertores eram batidos a vassoura no varal. A tudo Tia Fátima assistia triunfante, com ar de quem podia até dizer: eu não falei?

Então ela fazia dia a dia seu festival do frio. Sopas de mandioca, mandioquinha-salsa ou feijão, todas devidamente acompanhadas de torradas amanteigadas polvilhadas de queijo ralado.

Antes de dormir, gemada batida no copo com canela e cravo já moído no pilãozinho e adoçada com melado.

De manhã, café com mel, pão de centeio esquentado na chapa, ovos estrelados na frigideira sobre fatias de toucinho fritinhas (naquele tempo ainda não existia por aqui o "bacon", esse primo travesti do toucinho).

Chá com rapadura era outra especialidade dela. Ralava a rapadura, botava no fundo do bule de ágata junto com as folhas rasgadas à mão – de hortelã, de losna, de alecrim, de mate, de goiabeira ou abacateiro, tia Fátima dizia que só urtiga não dá chá. Aí despejava água quente, esperava um tempinho e servia as xícaras, para a gente tomar "soprando e esquentando a alma".

Lá pelo meio duma tarde batida de vento, ela chamava os sobrinhos para descascar nozes, enquanto contava histórias de reis e princesas, sapos e príncipes, anões e fadas. Jogava as cascas no fogo, "só pra ouvir o inverno estralar". E amassava as nozes com um velho e grosso garfo de prata, depois misturava aquela massa oleosa com açúcar mascavo, para passar em torradas esquentadas na chapa do fogão a lenha; e a gente comia em gostoso silêncio, ouvindo o fragor da própria mastigação.

Mas o melhor era, lá quase na hora de deitar, comer pipoca com leite quente adoçado com mel, ouvindo histórias de assombração, de encantamentos, de Jesus menino ou do tempo em que os bichos falavam. É tudo verdade, dizia Tia Fátima:

– Toda história é verdade quando a gente ri ou chora.

A gente ia dormir com o coração batendo na garganta, de terror ou de paixão, e acordava no outro dia com a voz clara de Tia Fátima cantarolando:

– Tem pão de queijo querendo pular fora do forno!

Claro que Tia Fátima um dia se foi para aquele país sem inverno nem verão, mas até hoje os sobrinhos, quando bate o primeiro frio, ligamos uns para os outros:

- Colheu mandioca pra assar na brasa? Achou mel de jataí pra comer de colherinha? Comprou queijo parmesão pro bolo de fubá? Vai fazer pão com toucinho? E costelinha defumada no feijão?

Ah, no inverno dá uma baita saudade de Tia Fátima!

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