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Eu não comprava filme pirata, agora só compro pirata.

Lamentei a quebradeira das locadoras, que eram centenas e agora contam-se nos dedos. Mas também notei que, morrendo, não abriam mão dos preços, decerto porque a indústria do cinema e as distribuidoras também não.

Algumas locadoras até tentaram sobreviver locando fitas piratas – mas quem iria locar o que podia comprar baratinho?

Então, com as locadoras do bairro fechadas, eu tinha de rodar 15 quilômetros até a cidade, para locar fitas que teria de devolver dias depois, com multa por atraso.

Mas, por acreditar que isso era o certo, continuava a evitar a pirataria. Até o dia em que vi numa esquina uma fita que ainda ia estrear nos cinemas, e o vendedor me explicou:

– A piratagem é veloz, freguês. O filme saiu, tá na mão.

Pensei: claro, dá pra ser bem ágil quando não se paga imposto nem se tem burocracia. Ele adivinhou meu pensamento e retrucou:

– A piratagem só não cria emprego com carteira assinada nem paga imposto pra governo, freguês, fora isso só faz bem.

Menos para as locadoras que fecharam, falei, ele piscou ma­­treiro:

– Empregavam muito menos gente que a piratagem, freguês, e pagavam mixaria porque também ganhavam pouco. Quem ganhava bem era a indústria, que vendia caro a fita e o dinheiro ia pra longe daqui.

Peguei uma fita, li a contracapa, falei que estava tão mal impressa que mal dava para ler a sinopse. Ele falou sério:

– Eu nem sabia que o resumo aí chamava sinops, freguês. Mas vou reclamar pro fornecedor, se o freguês reclama, ele melhora.

Voltou a piscar matreiro:

– Quem sabe ele vai até comprar outra impressa no Paraguai ou pela internet, freguês, mas a tinta com certeza vai comprar aqui, pirata também, porque só otário compra cartucho de tinta original, né? A indústria é esperta, mas o povo é vivo, freguês!

Botou a fita na minha mão:

– Leve de brinde. Se der defeito, traz que troco. E leve também o gosto de estar gerando renda, como dizem os políticos, pra muita gente: quem grava, quem imprime, quem distribui, quem vende que nem eu. O Oscar da geração de renda, freguês, devia ser pra piratagem!

Levei a fita, não deu defeito, voltei, comprei outras. Seis por dez reais. Se alguma enguiça, meu pirata troca. Formei uma videoteca. Dou fi­­tas, troco fitas. Mudei de ideia, virei mesmo freguês da "piratagem", co­­mo ele diz:

– Não chamo de pirataria, chamo de piratagem porque é vantagem pra todo mundo. Até o governo acaba ganhando porque o piratinha começa vendendo na calçada e depois abre lojinha, vai pagar imposto também. A piratagem ensina mais empreendimento do que o Sebrae, freguês!

Fiquei pensando no tempo em que quase todos os homens usavam chapéu, e, em poucos anos, quase todos deixaram de usar chapéu. As mudanças são como vento, ninguém segura. Ou, como diz o crítico Marden Machado:

– Só vão continuar as locadoras que se tornarem centros culturais de cinema.

Quando quero rever um Hitchcock ou um Peckinpah, rever Lawrence da Arábia ou A Ponte do Rio Kwai, ou, quando quero apresentar um Chaplin aos netos, vou àquela locadora que tem um acervo cultural de cinema. Para locar fitas novas, o pirata loca. Houve um tempo em que todos os homens usavam chapéus e as mulheres anáguas.

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