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Ele chega em casa, a sogra está lá, no seu (seu dele) cadeirão de vime. Ele bota o pé na varanda, ela se mexe no cadeirão, que range, e ela fala também com voz rangente:

– Boa tarde... Tenho uma coisinha a esclarecer com o senhor.

"Senhor" em vez de "você": só pode ser coisa ruim! Então ele sorri, inclinando-se para o beijinho, mas ela vira o rosto como se beijo doesse. Ele então lembra dos caquis que comprou na rua, belos caquis vermelhos, e coloca o saquinho plástico no colo dela:

– Comprei pra senhora.

Ela pega como se aquilo fedesse, coloca na mesinha ao lado, continuando com a voz rangente:

– Não gosto de caqui, já falei várias vezes ao senhor. E, se nem sabia que eu estaria aqui de visita, como poderia ter comprado "isso" para mim?

Ele suspira fundo, senta no outro cadeirão, que solta um rangidinho soando como confissão de culpa.

– A senhora... quer falar comigo?

Sim, ela sibila, suspirando como se suspirar doesse no fundo da alma, fechando os olhos ao perguntar:

– O senhor... me chama de "sogra-2"?

– Eu?!

Ela arredonda os olhos faiscantes:

– Há mais alguém aqui?! E pra que numerar sogra, vai sortear?

Ele olha os bicos dos sapatos, que não ajudam em nada, então fala baixinho:

– É... um modo de dizer, né, afinal, vivemos no século 21, e, conforme o IBGE, a família composta é maioria e...

– Família com o que?!

– Composta, composta, não entenda mal. É a família formada por filhos e pais de sucessivos casamentos, e, claro, quem casa pela segunda vez também ganha nova sogra, a senhora há de entender, não é?

– Não! – ela esmurra uma mão com a outra, ele dá um pulinho no cadeirão – Não entendo! Se EU sou a nova sogra, porque sou chamada de sogra-2 e não sogra-1?

Ele sorri aliviado, começando a falar que, ah, se é por isso, troca já:

– A senhora fica sendo a sogra-1!

– Não! – ela bate um pé, a cachorra acorda – Porque não dizer apenas sogra, somente sogra, so-gra?!

Tá bom, ele concorda. Ela bufa vitoriosa, mas logo sussurra:

– A... a "outra" não vai reclamar?

– Ela nem precisa saber, né? Eu chamo ela também apenas de sogra e pronto!

Ela bate o pé tão forte que a cachorra corre.

– Não!!! Chame de "ex-sogra", pois não é isso que ela é? O senhor não estará mentindo nem enganando, pois o que o senhor tem, nessa sua família "com...posta", é isso, né, uma sogra e uma ex-sogra, cer-to?!

A mulher aparece na porta, pega os caquis.

– Que lindos, gosto tanto quando você me traz caquis assim maduros, tão vermelhos! Mas, nossa, mãe, a senhora está brava, porque?

Nada, nada, ele fala sorrindo amarelo:

– A gente estava falando de você, com entusiasmo, não é, minha so-gra?

Ela concorda, se mexendo no cadeirão que range satisfeito. A cachorra volta, cautelosa... Então a sogra fala para a filha mas estreitando os olhos para ele:

– Só que esses caquis, filha, ele trouxe... para mim, não é, meu gen-ro?

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