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| Foto: Benett/Gazeta do Povo

Jarvis é britânico. James, nova-iorquino. O primeiro apareceu na década de 1990 e comanda até hoje o Pulp, um dos expoentes da turma do britpop. O segundo despontou no início dos anos 2000 à frente do LCD Soundsystem, banda que encerrou suas atividades no auge, em 2011. O que os une, além da música e da minha admiração: a condição de grandes cronistas pop.

Eu sei, o mundo tem uma pá de cronistas geniais, com talento para narrar a vida cotidiana como se estivessem conduzindo uma sinfonia. Mas Jarvis Cocker e James Murphy têm algo mais, um jenesequá (ou “não sei o quê”, parafraseando Luís Fernando Veríssimo, já que estamos falando de cronistas brilhantes).

Não é apenas o fato de contar a história de uma turista estúpida através de versos como “Alugue um quartinho em cima de uma loja/Corte o cabelo e arranje um emprego/Fume uns cigarros e jogue bilhar/Finja que você nunca foi à escola/Mas ainda assim você não vai acertar” (Cocker; Jarvis, 1995, “Common People”). Ou então transformar uma crise de relacionamento em uma obra-prima contendo frases do tipo “Se a viagem e o plano se separam em suas mãos/Você olha torto para si e sua proposta ridícula/Você esqueceu o que queria dizer quando lê o que disse” (Murphy; James, 2007, “All My Friends”).

Jarvis e Jim (se me permite a intimidade) parecem não apenas escolher cuidadosamente cada palavra de cada frase, montando um quebra-cabeça verbal onde uma sílaba se encaixa melhor aqui, para rimar com a outra ali, já de olho em como a sentença irá soar no conjunto. Eles sabem a entonação perfeita para cada vogal, onde a sílaba tônica deve ser mais tônica e qual merece ser sussurrada.

E como é importante saber onde acelerar ou desacelerar o compasso das palavras. Confesso que dia desses assassinei um colega de trabalho. A arma: um intervalo de poucos segundos entre o nome dele, associado ao verbo “morreu”, e a explicação de que se tratava de um familiar. Lembrem-se disso, crianças.

Voltando aos cronistas: uma vez concluído o processo de composição das frases, eles fazem a seleção dos acordes que irão acompanhá-las, do tipo “aqui sobe o piano, ali uma guitarra de leve, naquele outro reforça o baixo” e por aí vai. Aí resta apenas cantar. Ou declamar versos que nem nos melhores sonhos eu conseguiria esboçar, como se estivessem lavando louça. Simples assim. Admito que invejo esse talento todo. Já me imaginei no meio de uma discussão conjugal sacando uma frase genial, que encerraria o conflito na hora com um abraço e seríamos felizes para sempre. Claro que essa frase nunca apareceu e eu só piorava as coisas. Na verdade não consigo nem encerrar esse texto, então acho melhor que James encerre por mim, com a frase dita antes do show derradeiro de sua banda: “Se é um funeral, então vamos fazer o melhor funeral de todos”.

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