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Romance: O Peso da Luz – Einstein no Ceará. Ana Miranda. Armazém da Cultura, 244 págs., R$ 40. |
Romance: O Peso da Luz – Einstein no Ceará. Ana Miranda. Armazém da Cultura, 244 págs., R$ 40.| Foto:

A articulação entre ficção e ciência — o que é muito diferente de "ficção científica" — tem um exemplo valioso em O Peso da Luz – Einstein no Ceará, novo romance de Ana Miranda (Armazém da Cultura, Fortaleza). Não me refiro apenas aos conteúdos, embora o livro de Ana tenha um forte fundo científico. Tratam-se das memórias de Roselano Rolim, personagem no qual a autora se inspira em um tio apaixonado pela ciência. Inventor de um moto-contínuo estelar, Roselano, no dia 29 de maio de 1919, teria acompanhado uma comissão de cientistas que foi ao Ceará para observar um eclipse total solar e, com isso, comprovar a Teoria da Relatividade, de Albert Einstein.

Uma dedicada pesquisa — o que não é novidade nas narrativas de Ana Miranda — sustenta sua ficção. A ciência, em particular a física abstrata, estão no centro da cena. O esforço da pesquisadora, rigoroso e constante, se assemelha ao do cientista. Mas tento falar de outra coisa. O que mais impressiona em "O peso da luz" é o modo como Ana mostra a aventura de Einstein como uma verdadeira aventura poética. Já a epígrafe do livro, assinada pelo próprio cientista, resume esse vínculo: "A imaginação é mais importante que o conhecimento", nos diz Albert Einstein. Eu ousaria reformulá-la assim: não existe conhecimento sem imaginação, e tanto Einstein, cientista de carne e osso, como o fictício Roselano Rolim, são provas radicais disso.

Em uma entrevista sobre seu livro, Ana Miranda o define: "É uma homenagem aos inventores em todas as áreas, às utopias e às quimeras". Um tributo ao sonho, sem o qual o real não avança. Inspirou-se em um tio, Inácio Nóbrega, inventor na década de 1930 de um controle remoto. Cedeu o projeto a um suposto cientista alemão, que prometeu consagrá-lo, mas desapareceu. É também uma homenagem ao Ceará, estado em que a escritora nasceu, já que trata da comprovação da Teoria da Relatividade realizada durante um eclipse do sol observado, em 1919, por um cientista britânico e outro alemão, na cidade de Sobral, interior do estado. Desse modo, a ficção de Ana arranca grandes nacos do real, sem pretender em qualquer momento equiparar-se a um relato científico, ou fazer "ficção científica". É da fantasia na qual o real se encharca que ela se alimenta. O mundo — mesmo suas partes mais duras — também é feito de sonhos e Ana sabe disso.

São capítulos curtos, bem a seu estilo, e numa linguagem — apesar das referências constantes à ciência — bastante simples. Ana é uma autora substantiva. Não precisa "fazer poesia" porque sabe que a poesia é um elemento essencial da realidade. A poesia está presente em um poeta amigo do narrador, que o escolta como um anjo e que o ajuda a aproximar fantasia e descoberta. Aparece ainda no papagaio Galileu, que viaja com Roselano, e que é capaz de reproduzir não apenas suas palavras, mas seus sentimentos mais secretos.

Mesmo para um sonhador como Roselano, mesmo para um homem apaixonado pela ciência como ele, os cientistas parecem, muitas vezes, um bando de bruxos a remexer nos fundamentos do real. Ele mesmo nos diz: "O que era o mundo da ciência? Provavelmente uma comunidade de sujeitos meio loucos, (...), ciumentos de seus avanços, (...), movidos por uma vaidade incontrolável, em jogos de ressentimentos, falando mal uns dos outros, divididos em confrarias inabaláveis, discutindo como nas reuniões de bruxas". Essa visão imaginária e mal-humorada da ciência não só guarda sua parte de verdade, como também nos leva a pensar no lado fantasioso que envolve as mais importantes descobertas científicas. A fantasia pode aparecer como inveja, como ressentimento, como competição desenfreada, mas nada disso importa: ela está ali.

Para escrever seu romance, Ana se baseou na visita real ao Ceará de uma comissão composta pelos cientistas Andrew Cromelin e Charles Davidson que, no ano de 1919, comprovaram, observando um eclipse solar, a célebre teoria de Einstein. Inspira-se na realidade não para se conformar com ela, ou para repeti-la, mas para dela arrancar o que tem de ímpeto e risco. Cientistas necessitam tanto da imaginação quanto ficcionistas. Sem imaginação, não conseguiriam construir suas hipóteses e sistemas — não conseguiriam inventar. Sem ela, não poderiam de fato dar saltos à frente. Desse modo, Ana nos mostra uma surpreendente aproximação entre ficção — entre poesia — e ciência. Poeta e cientista parecem andar em extremos opostos. Parecem viver em mundos distintos. De certo modo, isso é verdade. Porém, sem a força da imaginação, sem o impulso para a invenção, nenhum dos dois conseguiria dar um só passo à frente.

Tal qual a fantasia, a realidade também é instável e traiçoeira. No dia do célebre eclipse de 1919, relata Roselano, "para desespero de todos, o céu se mantinha coberto de nuvens cúmulos, cúmulos-nimbos e cirros-cúmulos. Não havia uma só brecha em que se avistasse o azul celeste. Senti-me envergonhado, como se eu mesmo fosse um traidor". Os observadores se acomodaram no hipódromo. Instabilidade do real: às 7h10m, o céu começou a abrir do lado nordeste, mas às 7h40m estava novamente "denso e escurecido". Às 8h25m, abriu-se uma brecha entre as nuvens, mas logo o sol desapareceu, "reaparecendo por alguns segundos às 8h38m". Enfim, às 8h55m, com o céu aberto, todos puderam observar sem dificuldades o eclipse solar.

Também a ciência exige paciência — a mesma exigida do escritor, que nunca sabe ao certo em que momento a palavra adequada lhe surgirá. Exige perseverança e disposição para a surpresa: tanto na ficção, como na ciência, as coisas surgem quando menos as esperamos. "Algumas pessoas acenderam velas. Outras correram, dando gritos de pavor. Nenhum pássaro cantava, revoadas de morcegos surgiram de seus esconderijos, como se fosse noite, dando rasantes sobre a multidão". É uma cena mágica, que envolve susto e beleza. Que inclui encanto e atordoamento. Também as descobertas da ciência estão envoltas em beleza e surpresa. Também elas levam os espíritos a se elevar, como se conectados com um moto-contínuo que os ligasse às origens mais remotas do próprio homem.

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