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Há um mito curitibano segundo o qual, às vésperas da Copa de 70, dois jornalistas locais, ambos com respeitáveis dotes literários, deram-se ao trabalho de escrever um livro provando por todas as equações possíveis que aquele time estava destinado ao fracasso. É o que se diz, advirto, pois nunca vi nem li o tal livro, que os autores teriam recolhido, segundo a mesma lenda, após o tricampeonato.

A polêmica sobre a seleção era grande na época e talvez hoje seja difícil de ser compreendida. Uns criticavam o uso que a ditadura militar fazia do futebol, cujo símbolo era o general de plantão, Geisel, segurando um radinho de pilha no ouvido – João Saldanha, o ídolo da esquerda, estava fora; Dario e Zagalo estavam dentro. Esquerdistas de várias tonalidades se enfureciam com a politicagem – se dizia: exploração ideológica da seleção – feita pela ditadura. Por isso muitos escolheram torcer contra a seleção, vendo aí um modo de contestar o regime – aliás, na época, tudo tinha que contestar o regime, fosse a escolha de uma marca de refrigerante, de um filme ou de uma das possibilidades do Kama Sutra.

No entanto, aquela seleção ficaria para a história como a melhor de todos os tempos. Nem os críticos mais ranhetas do regime ditatorial puderam resistir: foi um show nos campos do México. Engolimos o Zagalo, os generais, o Dario, o escanteio que deram no João Saldanha, e saímos por aí comemorando, pois aquela Copa do Mundo também era nossa.

No dia 11 próximo começa ou­­­­­tra epopeia. Sem generais de plantão, mas com governantes e primeiras-damas dando adeusinho para a seleção e esperando, na volta, receber um time hexacampeão e uma taça repleta de votos. Mas, se não há generais, há o Dunga, símbolo de uma seleção, a de 1994, que nos fez festejar o título mais medíocre de todos os tempos. Se a seleção atual vencer, servirá para provar que time brasileiro não precisa de técnico, tese, segundo dizem, de­­­­fendida por um dos autores da­­­­­quele livro de 1970 do qual falei acima.

A verdade é que, em 1994, um grupo de brucutus dava pontapés e carrinhos e coube a um gênio, Romário, e a um craque, Bebeto, levar o time nas costas. Comemoramos com um gosto amargo na boca. Mas vale lembrar que mesmo aquela Copa foi vencida pelo talento. Claro, isso se não levarmos em conta os três jogadores decisivos para nossa vitória: Baresi, Massaro e Baggio.

Depois, vivemos o fracasso de uma seleção brilhante aos olhos de todos – brasileiros ou não –, a de 1982. Era unanimidade: estava no papo, repetíamos, e todos concordavam. Até hoje há quem não aceite discussão: foi a melhor – depois daquelas de 1958 e 1970, é claro.

Em 1998, ocorreu o desmanche do Ronaldo e entregamos uma Copa aos franceses. Um desgosto metafísico, uma impossibilidade lógico-matemática. Ficamos imaginando que forças ocultas teriam desfibrado nossa seleção daquela forma. Nem Descartes entenderia.

Em 2002, com Ronaldo sem chiliques, embora gordote e resfolegante, derrubamos a Alemanha. Fes­­­­­ta nacional com ares de vingança, talvez para compensar o papelão que faríamos em seguida, em 2006, a Copa da farra pública e no­­­­tória.

O fato é que hoje voltam à cena os mesmos personagens e símbolos. Bandeiras, camisetas, bonés, faixas, comerciais de cerveja. E velhas discussões. Futebol arte ou futebol força? Jogar para ganhar ou para dar show? O gol é um detalhe, como disse o retranqueiro Parreira, ou é algo essencial? Concentração ganha jogo? Sexo ajuda ou atrapalha os atletas? Aliás, fico me perguntando por qual razão as discussões sobre futebol sempre envolvem ideias que se excluem. Se sexo atrapalhasse jogador, Garrincha teria sido no máximo um Dunga.

Tudo muito antigo, inclusive nossa aflição. Com Dunga e um esquadrão de volantes medianos, lá vamos nós sem o Ganso e o Neymar. 190 milhões em ação. Exigimos duas coisas: show e espírito de luta. Afinal, o futebol é, de todas as artes, a mais bela e a mais pacífica simulação de uma guerra. O perigo é que na África tem muita zebra.

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