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Ao parar na esquina, ele comentou:

– Fico meio triste com esses passeios.

– Triste? Por quê?

– Sei lá. Poderia perguntar por que saio de casa, não é mesmo? Tudo que me interessa está lá. Meus discos, as fotos antigas, meus livros, meu gato. Poderia ficar em casa.

– Não tente me tapear. Sai em busca de alguma coisa que não encontra em casa.

– Pode ser. O problema é saber o que procuro.

– Não brinque. Você sabe.

– Não sei. Ou melhor, sei. Ou pouco importa. Acontece que insisto nesses passeios todo final de tarde, que é a hora em que me chateia ficar sozinho. Vou a algum restaurante, algum café, algum bar. Venho pela avenida, atravesso duas praças, sigo em frente.

– Sempre pelo mesmo caminho?

– Não. Não. A cada dia invento um roteiro diferente, embora o resultado seja o mesmo. Não tenho curiosidade pela cidade, pelas praças e ruas. Conheço tudo isso de cor e salteado. Não me interesso nem mesmo pelas árvores.

– Não se interessa? Não acredito.

– Tudo isso está aí, qualquer um pode ver. A gente não tem interesse pelo que está aí. O que nos interessa são coisas que não estão aí.

– Entendo.

– Não sei se você entende. É difícil entender e, pior ainda, explicar. Naquela esquina ali, por exemplo...

– O que havia ali?

– O que falta ali, seria melhor dizer.

– Perfeito.

– Nós saíamos do colégio, atravessávamos o Passeio e vínhamos correndo nessa direção, pois naquela idade a gente não andava, corria. Aqui na praça a gente se jogava no chão, arfando e dando gargalhadas. Havia uma menina, Lídia ou Lígia, já não lembro, que chegava sempre ensolarada, quase vermelha, cabelos alvoroçados. Era linda.

– Sua namorada?

– Infelizmente, não. Namorada do Teixeira. Quer dizer, fui trocado por um sujeito chamado Teixeira! Que fracasso! E havia também o Marcos, o Luiz, a Amélia, a Neusa, dependia do dia.

– Eis o que falta, então.

– E é por isso que essas caminhadas são inúteis. Vejo a rua, as praças, mas nenhum deles está aqui.

– Morreram?

– Não. Nem sei. E não importa. Estão em outros lugares, com o tempo a vida vai espalhando cada um para um canto. Os amigos mudam de cidade ou de país. As mulheres se casam com sujeitos com nomes estranhos e nunca sabemos onde foram parar. É isso, eu acho.

– Convenhamos, não é tão triste.

– É verdade, eu exagero um pouco. Mas gostaria de encontrar essas pessoas, compreende? Por isso insisto nos passeios. Encontrar a turma da faculdade, a turma do primeiro jornal mimeografado, do primeiro show de bossa nova. Da primeira passeata, da primeira greve. Do primeiro lança-perfume. Do boteco em frente à faculdade. É isso. De que me interessam essas ruas e praças? Não servem para nada!

– Não exagere. Não acredito que você pense assim.

– Pois acredite.

Foi quando, já na porta do restaurante do qual se aproximava, um garçom o cumprimentou educadamente e perguntou:

– Mesa só para o senhor ou espera alguém?

– Só para mim. Estou sozinho.

E ele entrou no restaurante sorrindo, pois lá na segunda mesa não estava Isadora. Mas só ele sabia disso.

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