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Mudar. Ir de um lugar para outro. Ou transformar-se: somos uma coisa e queremos ser outra. Trocar o tapete da sala, a posição de um sofá, a cor da parede. Morar em outra casa, outra cidade, não raro outro planeta. Ou pentear o cabelo de uma forma diferente. Trocar de roupa. Fazer novo itinerário pelos labirintos da cidade.

Eis o truque: as mudanças simples favorecem mudanças mais profundas, as que ocorrem no que chamamos de alma – o que inclui o corpo, é claro: nossas manias, nossos desejos e projetos, tudo isso que faz algum sentido na vidinha que levamos.

Todos gostam de mudanças, embora não confessem. Reclamam, mas gostam. A vida, durante uma mudança, fica por alguns dias de pernas para o ar. Há coisas que se quebram, outras que somem, a poeira salta de velhos papéis e armários, a confusão se instala, a trabalheira é infernal. Mas todos se divertem durante uma mudança, inclusive os cachorros que caem dos caminhões.

E pequenas mudanças simulam grandes mudanças. Jogar coisas fora, limpar gavetas, pastas, caixas, papéis. Jung, que entendia do riscado da alma humana, observou que ao sentirmos necessidade de nos arrumar por dentro inventamos arrumações à nossa volta. Não mudamos a paisagem, eu diria, mas a cortina da janela, com o que mudamos a paisagem. Costuma funcionar.

Vejam o que acontece com as gavetas.

Além de serem criaturas insubmissas a qualquer organização, arrumá-las nos coloca em sintonia com o inconsciente: até nossos fantasmas mais renitentes resolvem aparecer, pois, como sabemos, é no fundo das gavetas que se esconde o inconsciente com sua multidão de lembranças. Vale por meses de psicoterapia.

O mesmo acontece com as fotos. Vamos exclamando:

– Quando foi isso?! Quem é o sujeito?! Que roupa ridícula!

As fotos, de todas as coisas, são as únicas que sofrem ação do tempo, como se fossem humanas. Uma pedra é sempre a mesma pedra. Já as fotos envelhecem e denunciam o acúmulo do tempo. Um sofá pode se esfarelar de tão velho, mas isso é problema dele. Nas fotos, mesmo quando não estamos nelas, o tempo nos espreita. Elas envelhecem não apenas como coisa física, mas como memória: há ali um esquecido e inquietante universo no qual mergulhamos ao abrir a gaveta.

Mas mudar é bom, pois é o oposto de morrer – e morrer, quando mudamos, não está em nossos planos. Todos os que estão em mudança estão certos de que viverão muitos anos e que farão grandes descobertas. Que outra razão para mudar?

Sobre minha escrivaninha acumulo muita bagunça, sobretudo recados dirigidos a mim mesmo. Faça isso, aquilo, telefone, leia, coloque no correio, esqueça. Com o tempo, vira uma anarquia e já não consigo saber a razão daquele recado que parecia tão urgente – e de quem, diabos, seria aquele número de telefone? E Tibúrcio, quem será?

Quando devo começar um trabalho novo, preciso colocar em ordem a tralha acumulada sobre a mesa. Se não faço isso, fico estacionado no que fazia, impossível recomeçar. Dedico-me então à arrumação e, depois, fico aguardando.

Alguma coisa nova haverá de acontecer.

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