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O filho telefonou.

– Será que o senhor pode me fazer um favor?

Como recusar? Nunca recusava nada.

– Posso.

– Nós vamos viajar e a Luiza ganhou um peixe. Posso deixar ele aí?

Luiza, a neta. Jamais recusaria.

– Pode, claro. Mas... algum problema com a geladeira?

– Que geladeira, pai?

– Bom, o peixe... pensei...

– Pensou errado. É um peixinho. Peixe de aquário.

– Pode trazer.

– Já era noite quando o peixinho chegou. Aquário pequeno, umas pedrinhas coloridas no fundo, um tubo, um fio de luz.

– Me explica, pediu ao filho.

– É só ligar na luz. Mais nada.

– E a comida?

– Está aqui - mostrou um pacotinho amarelo - É só colocar cinco grãos a cada doze horas.

O filho saiu às pressas. Lá ficou ele com o encargo de cuidar do peixinho. Era preciso ligar na luz, senão morreria de frio. Colocou uma pequena mesa perto da janela, junto a uma tomada, e, na hora de ligar, hesitou. Nunca fizera aquilo na vida. E se ligasse errado? Fritaria o peixinho. Olhou para o peixinho, que era lindamente azul, com vastas nadadeiras em tons avermelhados e roxos. Um peixinho exuberante que talvez fosse ser eletrocutado.

Bobagem. Ligou. Nada aconteceu. Melhor assim. Olhou para o tubo e viu que um filete vermelho aparecera - era um termômetro e tudo parecia em ordem. Mas, por via das dúvidas, ficou por perto, foi olhar várias vezes. O peixinho nadava de lá para cá, não estava em processo de fritura. Aliviado, foi cuidar de suas coisas.

Antes de deitar, veio ver se estava tudo bem. A sala escura, não achou o peixinho. Fritou, pensou. Morreu. Acendeu a luz. Lá estava ele, aparentemente apoiado numa imitação de algas, quase deitado nas pedrinhas do fundo. Aproximou-se e o peixinho disparou para o outro canto, assustado.

Então, peixinho também dorme. Deve ser. Quieto no fundo do aquário, ele dormia. Que mais poderia fazer um peixinho dentro daquele espaço mínimo, repetindo obstinado o mesmo trajeto de um lado para outro?

Conferiu a temperatura e também ele foi dormir.

No dia seguinte, a primeira coisa que fez foi olhar o peixinho. Lá estava ele se exibindo. Cutucou o vidro e o peixinho veio sondar o seu dedo e depois se afastou. Não apenas se afastou - deu uma rabeada volumosa, feito um golpe de dança, e foi ao outro lado, de onde ficou a examinar seu nariz quase grudado no aquário.

A comida, pensou. Deve estar com fome, por isso me olha desse jeito. Peixe não é bobo, quer comer. Pegou o pacote, abriu, e só então viu que os tais grãos eram umas coisinhas de nada. Cinco? Será que escutara bem? Colocou cinco daqueles grãos na palma da mão e foi perguntar à mulher: É só isso mesmo? Cinco, disse ela. Mas são tão pequenos. Ela explicou: é um peixinho.

Voltou ao aquário e colocou os cinco grãos na água. O peixinho não lhes deu atenção. Tem medo de mim, pensou. Afastou-se, ficou olhando de longe, mas, como sentia fome, ele é que foi tomar café. Quando voltou, o peixinho ia e vinha com jeito de quem estava com a barriga cheia. Sorriu. Não era tão complicado aquilo de cuidar de peixinho.

Passou os dias seguintes entre cuidados e preocupações com o novo amigo. Não se sentiria só? Como suportava aquele espaço mínimo onde nadava aparentemente feliz? Colocava a comida a cada doze horas e, no resto do tempo, tentava não pensar nos dramas do peixinho.

O filho veio buscar o peixinho cinco dias depois. Já eram amigos íntimos, preferiu se despedir à distância, nada de sentimentalismos. Sozinho em casa, sentou-se na poltrona, abriu o jornal, mas não conseguiu ler. Dirigiu um olhar minucioso para as paredes da sala, para o teto, o chão de madeira. Sentiu-se num aquário. Pensou: se não colocarem água, tudo bem.

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