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Vou abatendo, sem abrir, e-mails que querem consertar minha vida, me vender o impensável, colocar um vírus no meu notebook.

Um aconselha o abandono de dietas sem gorduras. Outro promete acabar de vez com a calvície. Que tal fazer sexo muito sensual na cama? – me pergunta o terceiro, num estilo duvidoso. E assim vai: não devo perder as ofertas de vitaminas com 50% off, e preciso me recadastrar num banco no qual não tenho conta, além de aderir a um certo marketing digital. Ah, sim, também me cobram um bom condicionamento físico. Claro, não faltam duas ofertas de viagra. 40% off.

Ainda bem que hoje não chegou nenhum e-mail falando em penis enlargement ou em me transformar em um campeão de felicidade. Já é um consolo. Além de gordo, careca, sem imaginação sensual(seja lá o que isso for) e preparo físico, incapaz de aproveitar liquidações e em falta com a burocracia bancária – me sentiria um infeliz sem remissão.

Por isso resolvi oferecer aos meus leitores essa modesta oração para internautas indefesos. É assim:

Livrai-me, Senhor, destas correntes que circulam pela internet, destes conferencistas contentes, destes autoajudantes de si mesmos, que me dizem o que fazer, o que não fazer, ralhando comigo por não ter acumulado fortuna e poder, por não ter encarado minhas crises como oportunidades, nem me empenhado em ter sucesso. Senhor, não quero estas glórias e, de todas as glórias, desejo apenas que não me chateiem. E não acho que o Senhor, com tantos afazeres neste planeta tumultuado, deva se preocupar com minha conta bancária, com meus negócios inexistentes, com meus lucros que desconheço.

Não peço dádivas nem o perdão de dívidas. Gostaria apenas de não ser alcançado por estas mentes sentenciosas, com suas imagens piegas e musiquinhas frouxas em apresentações do PowerPoint. Sobretudo, livrai-me do politicamente correto e das lições corporativas, que imaginam que a vida é feita de débitos e créditos e que o Senhor é uma espécie de gerente de nossos ganhos e perdas.

Também dispenso lições de como enfrentar a vida, venham de psicólogos, economistas, administradores, conselheiros corporativos, médicos, esses solucionadores de todas as misérias humanas, que resolvem qualquer conflito com dois ou três lugares comuns.

Tenho muitas dúvidas e já não sei viver sem elas, Senhor. Que os conselheiros me deixem em paz. Eles querem colocar a todos em linha reta, como ironizou o poeta Fernando Pessoa, que não dava conselhos a ninguém.

Sei que tenho defeitos em boa quantidade, uns de pequeno porte, outros meio grandotes, mas juro que de todas as listas de pecados graves ou leves que consultei em livros sagrados ou em códigos elaborados pelos homens, não tenho visto ali muita coisa que eu tenha praticado com frequência e empenho. Cometo pecadilhos aqui e ali, muitas vezes por desatenção, outras por afobação, outras por não pensar no que faço. Sou muito amador nisso de pecados, grandes ou pequenos, posso garantir.

Prova disso é que, lembrando o que fazem os governantes e os donos do dinheiro do mundo, fico achando – me perdoe a possível soberba, Senhor – que sou um santinho.

Então, Senhor, não tendo pecados tão poderosos, não querendo mais dinheiro do que aquele que meu trabalho produz, estando em paz comigo mesmo, gostaria de me ver livre destes ensinamentos bobocas.

Portanto, livrai-me dos que querem me vender sexo em prontidão, que desejam afanar a senha de minha pobre conta bancária, ou me vender seja lá o que for, seja para engordar ou emagrecer, tornar-me atleta ou místico, careca ou cabeludo.

Livrai-me, Senhor, destes que fazem campanhas furibundas contra o único vício que mantenho, os sete cigarros que fumo por dia. Senhor, eu não mereço o asco que tais criaturas dirigem aos que fumam. Qualquer dia, dirão ao povo que devemos ser caçados com tacapes, trancafiados em celas infectas, apontando-nos como portadores da peste – e o Senhor sabe que em seu Santo Nome alguns já andaram caçando bruxas.

Em todos os casos, Senhor, seja feita a Vossa vontade. A minha, pelo visto, não anda com nenhum prestígio.

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