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Ela surgiu do meio da multidão que se atropelava pelos corredores do shopping. Era uma senhora idosa, magrinha e meio curvada, cabelos de cor indefinível, sorriso grande. Abriu os braços diante de Laurinho Telefone, eufórica:

– Lauro! Há quanto tempo!

Laurinho Telefone, boêmio e galã em todas as horas disponíveis, já não se reconhece ao ser chamado de Lauro, coisa de outros tempos. Mas a senhora idosa balançava os braços diante dele, aguardando o abraço.

– O quê?! Vai dizer que não se lembra de mim!

Laurinho é um homem gentil, mesmo quando sóbrio. Sussurrou com um cuidadoso fiapo de voz:

– Acho que... não sei...

– Não lembra?

– Infelizmente, não.

Ela insistiu:

– Não lembra? Não acredito.

Laurinho encheu o peito e foi enfático:

– Não. Sinto muito. Não lembro.

– Diva, disse ela. Divina, lembra?

– Divina?

– Era assim que você me chamava. Divina.

Pensou em confessar que anos de cerveja e uísque no boteco do Cego Tião estragam a memória de qualquer um, mas preferiu não arriscar. Confessou:

– Não sou muito bom nisso de memória...

– Do Centro Acadêmico, Lauro. A Diva do Centro Acadêmico, onde nos conhecemos.

– Ah, já sei. O Centro Acadêmico Hugo Simas.

– Não – a senhora idosa manifestou alguma irritação. – Arquitetura.

– Ah, claro – fez ele. Arquitetura.

– Lembrou?

– Não.

– Não acredito.

– Nem eu, me desculpe.

Ela abaixou os braços, já sem esperanças de receber um abraço, coberta de dor:

– Estou morrendo de vergonha.

– Por favor, não fique assim. Eu sou um desastrado.

- -Nós quase ficamos noivos, Lauro. Não lembra?

As noivas de Laurinho. Ele passou um scanner mental em suas lembranças de namoradas e noivas, que foram muitas naquelas épocas tumultuadas de centros acadêmicos, passeatas, comícios, protestos, acampamentos, mas não achou nenhuma Divina.

A senhora afastou-se em busca de um banco no corredor. Sentou-se e começou a chorar.

– Minha senhora...

– Diva! Divina! – o dedo no nariz de Laurinho.

– Minha... Divina... não chore. Me desculpe.

– Eu envelheci, é isso. Nem me reconhece. Você continua o mesmo, não mudou. Mas fique sabendo que eu era linda! Divina! Agora nem me reconhece. Virei um trapo.

Foi quando Laurinho teve um lampejo:

– Acabei de lembrar! Um dia fomos a Antonina, na Kombi do diretório. Você tinha um namorado chamado Clóvis. Nós fugimos dele e ficamos namorando no trapiche.

A senhora deu um salto do banco, esbravejando:

– Seu safado! Essa era minha irmã! Clóvis era o namorado dela!

Diante da pequena multidão que se juntara em torno deles e temendo ser linchado, Laurinho, que guarda a agilidade de um bailarino, sumiu de fininho corredor afora nas suas habituais passadas sincopadas que, sabemos agora, foram cultivadas nos saraus de remotos centros acadêmicos.

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