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Quando somos crianças e adolescentes, a ideia da invisibilidade é fascinante. Digna dos super-heróis, é um atributo que pode ser muito útil em situações de alto risco, ou quando é preciso saber o que os arquivilões estão planejando para destruir o mundo. Mas quem já leu O Homem Invisível, clássico da ficção científica do escritor britânico H. G. Wells, relançado no Brasil pela editora Alfaguara, sabe que, mesmo no campo da fantasia, essa imaterialidade nem sempre é um superpoder ou uma benção.

Giffin, o protagonista do romance, publicado na Inglaterra sob a forma de folhetim em 1897, é um cientista jovem que, ao se tornar cobaia de seus experimentos, vivencia o inferno de se perceber incapaz de reverter o próprio feitiço. À medida em que se dá conta de que não conseguirá voltar a ser visto, sua sanidade se dilui, transformando-o de gênio em monstro.

No mundo real, até onde se sabe, ninguém chegou perto do feito de Giffin. Embora ficcional, é até convincente a ideia de que um corpo, se não absorve a luz, nem a reflete ou a refrata, não pode, portanto, ser visto. Mas isso é teoria, apenas colocada em prática na obra de Wells, um escritor exemplar da era das grandes invenções e experimentações tecnológicas, também autor de A Máquina do Tempo e A Guerra dos Mundos.

Fora das páginas do livro, no entanto, há outras formas de uma pessoa, metaforicamente, se tornar invisível. Uma delas pode ser, infelizmente, envelhecer.

Em culturas hedonistas e utilitárias, que privilegiam aparências e, de certa forma, deificam o jovem por sua capacidade, ainda que latente, de produzir e, bem ativa, de consumir, quem já viveu mais tende a valer, de certa forma, cada vez menos. Assim parecem pensar muitos desses Giffins contemporâneos que, ao tentar se mover na velocidade de luz e reinventar a roda, também flertam com a insanidade e muitas vezes atropelam quem atravessa seu caminho. E os mais velhos tendem a andar com mais lentidão.

É claro que experiência e conhecimento acumulados ainda são valorizados, por tornarem os passos mais firmes e certeiros, mas se percebe que, numa ânsia constante por renovação acelerada, que muitas vezes não permite a consolidação de conceitos mais elaborados, a percepção de quem já não guarda a perspectiva entusiasmada dos que acreditam ter toda a vida pela frente pode representar uma ameaça. Uma sombra capaz de frear essa entidade portadora de esperança, mas algo assustadora, que se tornou, em nossos tempos, a juventude, à qual quase tudo que é produzido parece ser destinado.

Envelhecer não é fácil. Quem disser o contrário está mentindo, se enganando ou dourando uma pílula com inúmeros efeitos colaterais. Há um determinado momento, que varia de pessoa para pessoa, também de circunstâncias sociais e geográficas, mas que chega para quase todos, em que que o processo de invisibilidade se inicia sem aviso prévio.

No início, e por um bom tempo, é algo sutil, e difícil de ser notado, salvo pela abrupta mudança na forma de tratamento – a primeira vez que alguém nos chama de senhor ou senhora é difícil de esquecer. Mas no país onde o imediatismo parece dar o tom, e a paciência nunca esteve entre os esportes nacionais, enxergar o mais velho, não necessariamente o idoso, como carta fora do jogo é uma constante. Justamente quando a pessoa pode ter mais a dizer, o mundo está menos disposto a ouvi-la. Cruel ironia.

A pressa é inerente ao jovem, e isso não é um problema em si. Mas, à medida em que todas as atenções – dos meios de comunicação, da indústria cultural e do proprio setor produtivo como um todo – se voltam a ele, todo o resto fica menos importante.

Cabe, assim, aos invisíveis (ou quase) enxergar uns aos outros e, sem revanchismo, ou rancor, confrontar essa ordem de coisas que os marginaliza e lhes priva de voz, poder e desejos. Ao contrário do experimento irreversível de Giffin, há um caminho de volta à visibilidade: ocupar, como tantos andam fazendo ao redor do mundo, o que lhes é de direito.

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