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 | Ilustração: Osvalter Urbinati
| Foto: Ilustração: Osvalter Urbinati

Não sei em que medida essa é uma ideia científica – dei uma olhada na internet, mas não encontrei nenhuma fonte confiável –, mas talvez você tenha ouvido falar. Tem a ver com o uso da música para ajudar na concentração quando se faz uma atividade qualquer. Algo como uma "concentração musical".

Ela é muito útil em uma redação de jornal. Imagine um ambiente com uns 80 computadores e uns 50 telefones que berram a valer em certas horas do dia. Não basta ter boa concentração, é necessário certo grau de autismo – algo que quem lê e escreve costuma desenvolver bem. No jornal, dezenas de pessoas falando (inclusive com você), telefones tocando e meia dúzia de televisores ligados são distrações permanentes.

Primeiro, pensei em comprar um par de fones de ouvido antirruído, com a tecnologia que detecta o barulho do ambiente e emite frequência contrária, anulando o som. Lendo um pouco mais sobre o acessório, vi que ele foi desenvolvido para pessoas que andam de avião e querem ouvir música sem a interferência dos motores da aeronave. Para que o sistema antirruído funcione, é preciso que o barulho seja constante (como o de uma turbina).

No caso de pessoas, televisores e telefones, a tecnologia não funciona porque precisa de tempo para captar o som e emitir a frequência contrária. Se não for constante, quando tentar anular o barulho, este já terá mudado, se não tiver acabado.

Durante a pesquisa, encontrei o comentário de um sujeito argumentando com outro que reclamava do mal funcionamento do antirruído. Ele dizia que fones de ouvido normais também podem, de certa forma, "eliminar" o ruído externo desde que não seja muito alto. É que o cérebro teria a tendência de se concentrar no som mais perceptível, ignorando os demais barulhos. Isso significa que ouvir qualquer música com fones tradicionais pode bastar para cortar distrações sonoras. Fiz o teste e até que funciona.

Às vezes, a música pode chamar atenção para si e há estilos mais eficientes que outros para a concentração. O que funciona para mim pode não funcionar para você, mas trilhas sonoras de filmes me parecem uma escolha tranquila (estou ouvindo as que a banda Popol Vuh fez para os filmes do diretor alemão Werner Herzog – são hipnóticas).

A questão da memória

Algumas músicas ficam muito marcadas e é impossível ouvi-las e não pensar na pessoa ou na situação ligada a ela. E quando você associa uma música de que gosta muito a alguém que não está mais por perto e nunca mais consegue escutá-la de outra forma? Ainda que as memórias sejam boas, surge um tipo de melancolia relacionada também ao fato de a música não ser mais sua. Você a perdeu. "Perda é perda e não adianta nada falar dela com eufemismos", escreveu o historiador Tony Judt (1948-2010).

O problema é que a música continua existindo e, como alguém já disse a respeito da fotografia, ela se torna uma lembrança constante de um momento que nunca mais será acessível a você – a não ser como memória. Será para sempre um fragmento de passado, melancólico e ao mesmo tempo bom.

O mais difícil é quando a música perdida irrompe em algum lugar público com som ambiente. É parecido com um acidente de trânsito: você fica num tipo de estado pós-traumático, não fala coisa com coisa, tem o olhar perdido e mal consegue se mexer. Não é raro que o atordoamento afete o dia inteiro e a noite também.

Essa experiência não costuma ser atenuada pelo tempo porque é difícil encarar situações assim em quantidade suficiente para criar uma casca e desenvolver reações melhores.

O ideal a fazer é tratar a música perdida como uma bomba. Quando se deparar com ela, procure se afastar, arranje um lugar seguro onde não possa ouvi-la e chame alguém que a desligue para você, caso não consiga sem ajuda.

Ou, se tiver coragem, num impulso suicida, abrace a explosão.

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