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Lionel Shriver: personagens bem-construídos e mudanças bruscas no decorrer da narrativa | ULF/Adersen/GettyImages
Lionel Shriver: personagens bem-construídos e mudanças bruscas no decorrer da narrativa| Foto: ULF/Adersen/GettyImages

Romance

Grande Irmão

Lionel Shriver. Tradução de Vera Ribeiro. Intrínseca, 335 págs., R$ 29,90.

Do começo ao fim, o último romance publicado no Brasil da escritora norte-americana Lionel Shriver, autora que ficou mundialmente famosa com Precisamos Falar sobre o Kevin (que teve adaptação para o cinema), Grande Irmão é impressionante. A autora não poupa o leitor, e nem economiza o seu senso de humor ácido para falar de uma forma nada politicamente correta sobre um tema que, talvez, seja um dos maiores desencadeadores de preconceito hoje: a obesidade. Na verdade, o livro parece ser uma necessidade pessoal de Lionel de colocar para fora uma história pessoal: seu irmão, Greg, morreu em 2009, com 180 quilos, antes de realizar uma cirurgia para redução de estômago.

O romance retrata então uma história que não ocorreu e que, talvez, ela gostaria de ter vivido. Na trama, a empresária Pandora, que fez sucesso com uma inusitada fábrica de bonecos de corda que distribuíam críticas e insultos para o presenteado, vai buscar seu irmão, Edison, jazzista famoso de Nova York, que passará uma temporada em sua casa, em Iowa.

Os sinais da visita já não eram bons: um amigo de Edison já havia assegurado para Pandora que o seu irmão necessitava de ajuda. O choque veio no momento em que ela não o reconheceu no aeroporto, com 100 quilos a mais.

A cena que abre o livro é avassaladora. Na esteira de bagagens, Pandora escuta dois passageiros tecendo comentários nada amigáveis sobre um homem que, surpreendentemente, recebeu o assento do meio nas fileiras do avião. Depois de muita espera, avista um homem que precisou de cadeira de rodas para ser carregado até o saguão. Era Edison.

Por dias, Pandora assume uma postura neutra, tentando evitar a pergunta: como você engordou 100 quilos? No meio disso, o conflito entre o marido de Pandora, Fletcher, que ela define como "nazista da nutrição" depois de ter adotado hábitos mais saudáveis e pedaladas constantes, cresce. Os filhos adotivos adolescentes de Pandora também não poupam, com cochichos distantes do tio, comentários sobre a sua aparência.

Depois de uma família praticamente dividida pela convivência difícil com Edison, uma figura nada humilde e respeitosa, ela resolve tomar uma atitude: entrar num projeto que vai ajudar o irmão a perder todos os quilos que ganhou, sem nenhum tipo de cirurgia. Mesmo com a desaprovação do marido, e com o casamento recente em risco.

A empreitada vai acontecendo com sucesso, e Lionel também aborda com sinceridade o relacionamento entre irmãos, que, neste caso, precisou de uma devoção incrível. Na leitura, confesso que tentei impedir Pandora de tomar tal atitude. Parece egoísta, mas ela deixaria a própria história de lado para se dedicar a um irmão que jamais se devotaria a ela daquele jeito. Isso fica bem claro o tempo todo, mas Pandora insistiu, e obteve êxito.

O mais interessante na literatura de Lionel – além de abordar temas que são um problema em seu país, como a obesidade neste caso, e sobre atiradores em escolas americanas em Precisamos Falar sobre o Kevin –, são as mudanças bruscas no decorrer da narrativa, que, em Grande Irmão, tem personagens muito bem-construídos e que contrastam de uma maneira tragicômica com a história central. O final é impressionante, um susto para o leitor, que eu asseguro valer a pena.

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