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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Academia é lugar para iniciados, seja a dos sarados ou a dos doutores. Na primeira, não pense que basta se matricular e agarrar uns halteres para ganhar belos peitorais. É preciso primeiro se familiarizar com toda uma nova linguagem, fundamental para conseguir executar ordens à primeira vista impossíveis. Você está com os braços presos a uma barra, todos os músculos do corpo esticados ao máximo, e ouve:

"Agora faz uma onda respiratória bem caprichada." O quê? Por onde?

Deitado de barriga sobre uma bola com braço direito e perna esquerda levantados, equilibrando-se para não cair, é comum vir a provocaçãozinha: "Prende só mais um pouquinho o abdome".

Por essas e outras, é preciso se informar antes sobre a localização exata de cóxis e diafragma, e saber a diferença entre bíceps e quadríceps, de forma a preservar a integridade física.

Já na academia de doutores, toda essa materialidade pode ser colocada de lado, já que o pensamento abstrato é a principal necessidade. O lugar requer imaginação e muito, mas muito treino, para seguir discursos cuja linha filosófica precisa ser alinhada de antemão, sob o risco de se perder pressupostos fundamentais para a legítima compreensão do ser e do não ser. Tudo isso pode ser dito também ao contrário, senão vejamos, com apenas um pouco mais de esforço metalinguístico – ou seria o oposto? Não basta citar Foucault e achar que fica por isso mesmo. Autores devem vir acompanhados de suas correntes de análise, profundamente interiorizadas.

Alguns termos exigem ainda a identificação do contexto em que são enunciados, porque podem significar coisas completamente diferentes dependendo da frase. É o caso da palavra "épico". Se na literatura ela significa um relato memorável cujos personagens são heróis, no teatro remete ao alemão Bertolt Brecht, que foi justamente quem tirou o poder dos heróis para entregá-lo à gente comum.

Mas não pense que, pela academia dos doutores contar com tamanha erudição, a academia dos sarados se resuma ao físico. Algumas ordens bradadas pelos professores envolvem comandos extremamente metafóricos. Há relatos de um aluno de pilates que se declarou incapaz de prosseguir com a aula ao ouvir: "Relaxa todo o corpo, dos pés até o fígado".

Um ponto em que as duas academias diferem é a medição do sucesso. O resultado, na dos sarados, é visível. Quem vai todo dia, ergue quantidade de pesos crescente e sai com músculos definidos pode ser considerado top de linha. Na dos doutores, a coisa é bem mais complicada. Não adianta ter centenas de publicações se for em revistas de baixo calibre. Existe ainda o risco de, a qualquer momento, algum pesquisador rebater o seu trabalho, que também pode ser plagiado, mal compreendido ou simplesmente ignorado.

Numa comparação entre cientistas sociais e comediantes de stand-up, a antropóloga inglesa Kate Fox concluiu que só os últimos precisam ser bons pra valer, porque, se acertam numa tirada, a risada da plateia é imediata, e se erram saem de cena rapidinho. Já os primeiros podem passar anos a fio a escrever algo equivocado e ainda serem pagos para isso.

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