Obra-prima de arte tipográfica, insuperável no conhecimento da matéria, monumental no volume pesquisa e no escrúpulo factual, o livro de Pedro e Bia Corrêa do Lago é um capítulo definitivo na História da Arte, na da grande aventura brasileira dos flamengos e na biografia de um pintor cuja fortuna crítica foi das mais acidentadas [Frans Post (1612-1680). Obra completa. Rio: Capivara, 2006].
Se, do ponto de vista comercial foi bem sucedida a sua carreira européia depois do sete anos passados no Brasil, escrevem os autores, não é menos certa e escassez de referências ao seu nome durante os dois séculos seguintes, quando "permanece profundo o desconhecimento da obra do artista, que vale, no máximo, notas de rodapé nos livros destinados à pintura holandesa de século 17. Às vezes, há até mesmo confusões maiores e diz-se que ele pintou o México e não o Brasil. Tudo é muito vago e aproximativo, e a noção de Post ter sido o primeiro paisagista europeu a pintar o Novo Mundo passa despercebida a não ser para Alexander von Humboldt que cita Post no seu clássico Cosmos (1845) e considera que o mérito da invenção em termos de pintura de paisagem e estudo da natureza é de Frans Post".
O Brasil foi invadido e ocupado pelos holandeses durante um quarto de século (!) por um gesto de hostilidade contra a Espanha, não contra Portugal, bastando lembrar os grandiosos festejos promovidos por Nassau para comemorar a restauração portuguesa. Tudo isso está envolto em conjunturas políticas que as inevitáveis simplificações didáticas, falsificando-lhes as exatas perspectivas de interpretação e julgamento. A conquista começou como ato de pirataria para se transformar, por força de sua dinâmica interna, em empresa de colonização. Tudo indica que Nassau tinha vindo para ficar, ao ponto de, ainda na Holanda, projetar desde logo os futuros anais do seu governo. É possível que se visse como o Luís XIV dos trópicos, sendo psicanalítica e simbólica a doação que lhe fez de numerosos quadros (em troca da esperada recompensa) quando regressou definitivamente.
Esse é o sentido da missão de artistas, historiadores e homens de ciência que o acompanharam: "Estamos convencidos de que Nassau já veio da Holanda com a intenção de construir uma nova cidade. [...] A expedição [...] é também um episódio dos mais fascinantes da história da arte não só do Brasil como o mundo inteiro no século XVII, pois não encontra equivalente em nenhum outro momento em qualquer outro lugar do mundo. Também não há registro de um grupo de artistas que tenha deixado a Europa para pintar um país distante até quase duzentos anos mais tarde, no século 19 (como, por exemplo, a Missão Francesa, novamente no Brasil)".
Feito, salvo engano, pela primeira vez, o paralelo das duas missões ajuda-nos a colocá-las no contexto do que significaram: no caso holandês, o "plano" secreto de Nassau. De fato, não se tratava de artistas, homens de ciência e historiadores independentes, em busca de aventura e trabalhando por sua conta. Chegando ao Brasil. "Nassau repartiu entre os dois artistas que havia contratado o trabalho de ilustrar seus novos domínios. Post as paisagens das regiões sob controle holandês, bem como as batalhas e as principais edificações contruídas ou conquistadas pelos invasores batavos". Em outras palavras, não eram artistas à procura de pitoresco, mas profissionais trabalhando por encomenda.
Enquanto homem público, Nassau tinha uma visão de estadista, e, enquanto homem, a clara consciência do seu papel histórico: "desde o momento em que foi nomeado entendeu a oportunidade excepcional que teria como governador de uma terra tão distante, mas ao mesmo tempo tão rica e tão diferente [...] e imediatamente compreendeu que teria uma ocasião única de trazer de volta à Europa uma enorme quantidade de informações científicas e geográficas, curiosidades que relatassem sua futura gestão e as conquistas militares que planejava realizar no Brasil [...]". Assim, para ele, como para Mallarmé, tudo existia no mundo para acabar em livro...
Ou muitos deles, pois esses holandeses, pintando e escrevendo, constituíram uma brasiliana fundamental. Entre eles, Frans Post que, depois do período em que foi esquecido e subestimado, está hoje na galeria dos grandes artistas universais. O curioso, e quase previsível, é que esse primeiro pintor da paisagem brasileira teve de ceder ao gosto dos mercados, tornando-se mais decorativo que documental: "É importante insistir sobre esse papel eminentemente decorativo da pintura de Post nos quadros executados no Brasil. [...] Para o príncipe belos quadros de temas brasileiros também poderiam ser interessantes e úteis na decoração de suas residências". Até se transformarem, por sua vez, no registro visual de uma idade histórica.



