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Gameta destinado às mais descontroladas proliferações, o Futurismo foi a primeira vanguarda formalizada do século 20, acolhida, como sempre acontece, com a maior simpatia na República das Letras. Seu Manifesto, publicado a 20 de fevereiro de 1909 no Figaro de Paris, foi apresentado com as seguintes palavras: "O senhor Marinetti, o jovem poeta italiano e francês, de talento notável e fogoso, e que tantas ruidosas manifestações fizeram conhecer em todos os países latinos, seguido por uma plêiade de discípulos entusiastas, acaba de fundar a Escola do Futurismo, cujas teorias ultrapassam em audácia todas as escolas anteriores ou contemporâneas. Le Figaro já serviu de tribuna a várias dentre elas, e não das menores, oferece hoje a seus leitores o Manifesto do Futurismo. Será preciso dizer que deixamos com o signatário toda a responsabilidade de suas ideias singularmente avançadas e de uma audácia frequentemente injusta para com algumas coisas eminentemente respeitáveis e, felizmente, respeitadas em toda parte? Mas era interessante reservar a nossos leitores as primícias dessa manifestação, qualquer que seja o juízo que se possa expender sobre ela".

Com poucas modificações de conteúdo, poderia ser o Manifesto (ou um dos numerosos manifestos) do Concretismo, porque, em matéria programática, todas as proclamações vanguardistas são como os cemitérios a que se referia Machado de Assis numa página célebre: todas se parecem. Contudo, ao contrário das outras, o Concretismo foi uma escola exumatória, dedicada a desenterrar mortos esquecidos, como Sousa Andrade, ou a recuperar os corpos embalsamados de outros tantos, como Mallarmé e Joyce, já então recolhidos ao Museu da Literatura. O paradoxo das vanguardas é o desejo de se criar uma tradição erudita, como fizeram os concretistas indo buscar no passado os antepassados dos poemas verbivocovisuais.

Os concretistas passarão à história (ou já passaram...) como inventores do que já estava inventado e como descobridores de desconhecidos muito conhecidos, como Oswald de Andrade, Pedro Kilkerry, Sousa Andrade... De fato, se é verdade que a expressão "poesia concreta" foi usada "para indicar várias inovações e experimentos posteriores à segunda guerra mundial e que revolucionaram a arte do poema em escala universal, expandindo as suas possibilidades de expressão e comunicação" (Mary Ellen Solt, 1968), não é menos certo que a literatura visual, sob as suas múltiplas modalidades possíveis, vem sendo praticada, com intermitências, desde 300 anos, antes de Cristo. Até ao tempo de Apollinaire, entretanto, escreve Massin a esse respeito (Letter and Image, 1970), "o verso figurado foi apenas um gênero poético menor, restrito ao divertimento e enigmas filológicos, não raro descartado como mera extravagância tipográfica ou, quando muito, como uma brincadeira infantil, indigna de grandes autores".

Encontram-se seis poemas visuais no livro XV da famosa Antologia Grega, coletânea de epigramas datando do século 7 ao século 10 da nossa era, entre eles os três compostos por Símias de Rodes, apontados pelos teóricos como uma manifestação isolada, quando são, ao contrário, apenas os primeiros de uma longa tradição hoje perfeitamente conhecida. Na verdade, a maior parte da literatura visual, de Símias a Apollinaire, é extremamente mais complexa e elaborada do que o concretismo contemporâneo, e particularmente o brasileiro, jamais conseguiu fazer, pois as respectivas criações, regredindo ao letrismo puro e simples, não avançaram nada sobre a teoria e a prática de Isidore Isou.

Lembremos, ainda, algumas observações de Massin: "os primeiros poemas visuais do nosso tempo podem ser encontrados na publicidade moderna [...] cartazes, volantes, anúncios de televisão [...]". Mas agora, comparados com as deslumbrantes criações de imagens cinéticas e coloridas pelos computadores, os caligramas tipográficos, conclui Massin, seem mere child’s play". O salto vertiginoso através dos séculos e das técnicas de escrita estilográfica, reconduziu-nos sardonicamente ao ponto de partida. Tudo bem considerado, o Concretismo foi um retrocesso, não uma revolução; apontava, não para o futuro, mas para o passado.

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