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Ane Adade, bailarina do BTG: “Incrível entrar numa companhia com mais de 40 anos de existência, me parecia inatingível, inabalável”, conta. | Henry Milleo/Gazeta do Povo
Ane Adade, bailarina do BTG: “Incrível entrar numa companhia com mais de 40 anos de existência, me parecia inatingível, inabalável”, conta.| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Há cinco dias, todo o corpo do Balé Teatro Guaíra (BTG) e um terço da Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP) foram exonerados no interlúdio amargo de um imbróglio que se arrasta há meses. Com a perda massiva de seus artistas, ambos os grupos entraram em pausa, à espera de um concurso público pelo qual as contratações serão feitas. A data ainda não foi anunciada.

Enquanto BTG e OSP entram em pausa justamente no período em que a programação cultural começa a se aquecer no país inteiro, os 49 artistas desligados recentemente amargam as indefinições do desemprego e da interrupção abrupta de projetos aos quais se dedicam há anos.

Em 2003, ainda no governo de Roberto Requião (PMDB), uma lei os transformou em funcionários comissionados. Apesar de, em geral, esse tipo de contratação ter contornos políticos, todos passaram por rigorosas audições. Eram funcionários de mesmo apuro técnico que os estatutários, mas sem os mesmos direitos. Em julho de 2016, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) julgou inconstitucional a lei na qual se baseava as contratações e, depois de um prazo de transição que venceu em 28 de fevereiro, todos foram desligados.

Audições

Artistas tão experientes quanto os do BTG e da OSP estão acostumados a audições rigorosas. Não se opõem, portanto, ao caminho da legalidade que passa por novas avaliações. “Como chefe de naipe, estou exposto. Sou avaliado a cada vez em que me sento na cadeira. A questão é sermos reconhecidos”, afirma o clarinetista André Ehrlich.

Outra preocupação para alguns artistas diz respeito ao que está proposto para os grupos a partir de agora. “Ninguém sabe em que condições vai ser o Balé Guaíra, então eu não sei se vou querer participar. Como eu vou organizar a minha vida prevendo que uma audição que vai acontecer não sei quando com proposta de salário que eu não sei qual vai ser?”, diz a bailarina Patrícia Machado, que fez parte do BTG por nove anos.

De acordo com informações da PalcoParaná, a verba repassada à manutenção dos dois projetos é de R$ 5,7 milhões para o exercício financeiro de 2017. A verba dos salários dos comissionados exonerados serão “reservados para cobrir outras despesas da PalcoParaná e ainda para cobertura de eventual perda de receita em virtude da queda da atividade econômica”.

Os 23 bailarinos e 26 músicos comissionados saíram sem FGTS ou seguro-desemprego e viram a renda baixar de maneira substancial. Quem pode se apega a projetos paralelos ou até a outra profissão, caso do clarinetista André Ehrlich, também psicanalista. “Meu caso é muito particular. Em 2010, me formei em Psicologia. Minha alternativa agora seria investir nessa carreira. Sempre limitei o exercício da psicanálise para não prejudicar as minhas atividades musicais”, conta ele, há 19 anos na orquestra, onde era chefe de naipe.

Ehrlich saiu de São Paulo há 32 anos e fixou-se em Curitiba por conta da OSP. O mesmo fez, há sete anos, a bailarina Ana Adade. “Deixei a direção da Cia Jovem de Dança de São José dos Campos para vir para cá. Dois anos antes, presenciei o fim da Cia de Dança de São José dos Campos, na qual dancei por seis anos. Incrível entrar numa companhia com mais de 40 anos de existência, me parecia inatingível, inabalável”, conta ela, que se desdobra como professora de dança e massoterapeuta, além de outros projetos de dança. “As pessoas não imaginam quanto custa para cada um de nós, bailarinos, manter os nossos instrumentos de trabalho inteiros, para trabalharmos seis horas por dia num limite físico extremo”, afirma.

O curitibano Leandro Vieira, integrante do BTG por 13 anos, cresceu dentro da Escola de Balé do Teatro Guaíra. “Sou formado pela escola, entrei como estagiário e continuei minha carreira ali dentro”, diz. Acostumado às mudanças de governo e de direção, diz que esperava uma ruptura em algum momento. “Era instável, sempre me precavi para quando acontecesse. É complicado ter dedicado a vida, ter uma graduação, ter um diferencial e ser mandado embora, sem nenhum recurso”, conta ele, que tem licenciatura e bacharelado em dança, é coreógrafo e trabalha como professor em estúdios de dança da cidade.

Há também quem, pela natureza de seu ofício, não encontre tanto campo para uma recolocação rápida. É o caso de Douglas Ferrari, também curitibano, que tocou trombone baixo na OSP por 19 anos. “Meu instrumento não tem em outros locais, é difícil. E a dedicação que exige é muito grande para você ter outra atividade. Ao ficar fora da orquestra, eu não tenho uma alternativa imediata”, conta.

Ações buscam abreviar hiato

Algumas ações tentam abreviar o hiato. O PalcoParaná, Serviço Social Autônomo (SSA) que gere as duas formações, protocolou requerimento no Tribunal de Contas para formalizar um Termo de Ajustamento de Gestão (TAG), pelo qual os artistas poderiam ser contratados por serviço prestado. “O pedido está tramitando e as cláusulas e condições deste termo ainda serão analisadas”, diz a diretora-presidente do PalcoParaná, Nicole Barão.

A Associação dos Músicos da OSP também procura forma legal de validar as audições feitas anteriormente, todas registradas, para que possam ser contratados diretamente pelo SSA. “É diferente de validar as audições para nos tornarmos funcionários públicos. Queremos validá-las para termos um contrato celetista com o estado”, diz Douglas Ferrari. “Se for impossível, pleiteamos que todo o trabalho que fizemos na orquestra seja reconhecido numa eventual audição”. Maestro titular da OSP há dois anos, Stefan Geiger também escreveu uma carta atestando a qualidade e a validade da prova que os comissionados fizeram.

No entanto, a pontuação diferenciada na prova de títulos, que beneficiaria os artistas com anos de OSP e BTG, está descartada a princípio porque fere o princípio da isonomia. De qualquer forma, o tema é objeto de análise da Procuradoria Geral do Estado e a assessoria jurídica do PalcoParaná.

De acordo com informações da PalcoParaná, a verba para manutenção dos dois projetos em 2017 é de R$ 5.7 milhões. Os recursos dos salários dos comissionados exonerados serão “reservados para cobrir outras despesas da PalcoParaná e ainda para cobertura de eventual perda de receita em virtude da queda da atividade econômica”, diz a Secretaria da Fazenda, em nota.

  • A bailarina Ana Adade, dançava há sete anos no Balé Teatro Guaíra.
  • Leandro Vieira, bailarino do BTG por 13 anos, trabalha como coreógrafo e professor em estúdios de dança.
  • Também formado em Psicologia, o clarinetista André Erhlich vai dedicar mais horas à prática da psicanálise.
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