
Antes de tudo, é preciso dizer que Amor e Inocência é daquelas "traduções" inexplicáveis. Não guarda qualquer semelhança com o título original do longa-metragem de Julian Jarrold, Becoming Jane (algo como "tornando-se Jane"), que chega às locadoras do país sem passar pelos cinemas.
O mais grave, contudo, é que traz uma idéia equivocada do filme. Porque o amor é de fato um elemento muito presente nessa cinebiografia romanceada de Jane Austen (1775-1817), mas a inocência nunca foi sua companheira. Pelo contrário. Se a escritora sobreviveu aos séculos, a razão é sua verve satírica e suas críticas certeiras à sociedade do século 19, que enxergava com a lucidez de poucos.
Sem roubar da personagem principal sua argúcia e a reserva em relação aos homens, o filme é moldado ao gosto daqueles que ainda guardam algum romantismo, adequando a biografia da maior escritora inglesa ao que os seus leitores provavelmente gostariam que tivesse sido. Mesmo diante das raras informações disponíveis sobre a vida amorosa de Jane, a ficção não teme em criar para a moça do condado de Hampshire um amor arrebatador, abreviado pelas imposições do destino.
Tom Lefroy (personagem de James McAvoy, de Desejo e Reparação) poderia ser Mr. Darcy, se Jane (interpretada por Anne Hathaway, de O Diabo Veste Prada) se chamasse Lizzy. A paixão entre os dois lembra o riscado de Orgulho e Preconceito, com a rejeição inicial e as diferenças de classe. Uma liberdade poética. Thomas Lefroy (1776-1869) realmente existiu, mas foi apenas o político irlandês com quem Jane teria tido um rápido flerte, sem maiores conseqüências, e a quem nunca mais teria voltado a ver, de acordo com as cartas que ela enviava à irmã Cassandra.
E, entretanto, é inegável que sua promoção à vaga de amor da vida da escritora e inspirador do seu romance mais famoso aumenta o potencial envolvente e dramático da história. Ainda mais por conta da química entre os dois atores, que sustentam algo do charme das personagens de Jane Austen.
Como se trata de um romance de formação, que acompanha a juventude da protagonista, essas relações entre vida e obra fazem sentido e o espectador mais familiarizado com os seus seis livros certamente reconhecerá outras passagens semelhantes às histórias das irmãs Dashwood ou de Fanny Price.
O romantismo de Amor e Inocência não extrapola os dados mais concretos da biografia da escritora. Pudera. Que final feliz restaria esperar, no contexto do amor romântico fique claro , de uma mulher que sabidamente nunca se casou?
Sobreviveram informações sobre Jane ter aceitado o pedido de um vizinho de posses, Harris Bigg-Wither, mas o arrependimento veio já no dia seguinte e ela permaneceu solteira até sua morte precoce, aos 41 anos. Noivado e recusa aparecem no filme. A obra, porém, não escapa de artifícios que suavizam um pouco o seu desenlace. Não abdica de ser comovente. GGG



