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Cinema

Coração arquitetônico

Em cartaz no Espaço Itaú, documentário Bernardes expõe afetivamente a trajetória de um dos maiores arquitetos brasileiros do século 20, hoje esquecido

Palácio da Abolição, prédio do Governo do Ceará, inaugurado em 1970: projeto de Sérgio Bernardes com jardins de Burle Marx | Fotos: Divulgação
Palácio da Abolição, prédio do Governo do Ceará, inaugurado em 1970: projeto de Sérgio Bernardes com jardins de Burle Marx (Foto: Fotos: Divulgação)
O visionário e controverso Bernardes (de terno mais claro) e seus projetos vanguardistas |

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O visionário e controverso Bernardes (de terno mais claro) e seus projetos vanguardistas

Ostracismo pós-fim da ditadura e esquecimento de legado |

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Ostracismo pós-fim da ditadura e esquecimento de legado

Sérgio Bernardes (1919-2002) foi o mais renomado idealizador brasileiro de casas privadas dos anos 1940 e 1950. Nos anos 1960, ao lado de Oscar Niemeyer e Vilanova Artigas, foi um dos grandes criadores arquitetônicos e urbanísticos do país. Niemeyer constrói Brasília, mas logo se vê cerceado com a chegada dos militares ao poder. Artigas, por sua vez, é impedido de trabalhar e obrigado a se exilar no Uruguai.

Bernardes fica. Não que tivesse predileções. An­­­­ti­­­­político de não acreditar em agremiações, permaneceu produzindo, inclusive para o governo de exceção, por aspectos aparentemente alheios à esfera partidária. É esta a trajetória de vanguarda e futuro ostracismo narrada em Bernardes, apanhado de entrevistas com familiares, amigos e especialistas sobre a importância e as motivações de um dos personagens nacionais mais controversos do século 20.

Com argumento do neto Thiago, também arquiteto, e dirigido por Gustavo Gama Rodrigues e Paulo Barros, o documentário, um dos selecionados para Mostra Competitiva do Festival É Tudo Verdade de 2014, consegue uma proeza rara em relatos de cunho afetivo: examinar do lado de fora do espelho (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo).

Mobiliário urbano

Sem pirotecnia estrutural, vemos, casa a casa, projeto a projeto, o perfil de um criador singular, piloto de carros de corrida, remador, mulherengo e desapegado ao dinheiro – faliu seu escritório depois de tomar uns calotes dos militares e gastar o que não tinha com mapas da Nasa (!). Também alguém que refletia permanentemente sobre o seu trabalho. "Acredito numa arquitetura ‘sem-presença’, sem pretensão, que assimile o lugar, arquitetura para ser vivida, não para ser contemplada", diz, em certo momento.

Magnético, inventivo e paradoxal, Bernardes é difícil de ser enquadrado. Seu ideário é deslocado do mundo concreto, algo apontado, inclusive, por ele: "A realidade é a irrealidade em que você vive".

Autocrítica

Um dos principais méritos do filme, além de contar uma história boa e emocionante, é não resvalar no território da indulgência e vitimização barata. O documentário aborda com coragem as relações confusas do arquiteto com a família e reconhece a desafeição de Bernardes aos aspectos pragmáticos da vida.

Inquieto e ambicioso, Bernardes se torna um pária, rejeitado pela direita, criticado pela esquerda, despertencido de seu país: "Sou um homem maldito. E, por ser maldito, com liberdade", enfatiza na velhice, pouco antes de morrer, em 2002. Tocante, o documentário fecha de modo emblemático: "Eu invento o meu mundo". GGGG

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