
Pouco antes de morrer, o escritor Julio Cortázar (1914-1984) empreendeu uma viagem de um mês a bordo de uma Kombi com a mulher, a escritora Carol Dunlop (1946-1982). Não iriam muito longe, realizando o trajeto Paris-Marselha (660 quilômetros) com paradas em todas as áreas de descanso da estrada experiência relatada pelos dois em Autonautas da Cosmopista. Carol havia sido desenganada pelos médicos e os dois queriam estender o tempo, viver os minutos.
Esse prolongamento da existência, aliado ao realismo fantástico do qual Cortázar é um dos expoentes latino-americanos, é um dos temas de Cronópios da Cosmopista, espetáculo que estreia hoje no Teatro Novelas Curitibanas (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo). A peça, com direção de Rafael Camargo, do Coletivo Portátil do Theatro de Alumínio, é inspirada em diversas obras do autor argentino Cortázar nasceu na embaixada de seu país em Ixelles, na Bélgica, e morreu em Paris, em 1984.
O texto do espetáculo foi escrito por Camargo sob a influência da leitura de Bestiário, O Jogo da Amarelinha, Histórias de Cronópios e de Famas e Autonautas.
Ele próprio está em cena, ao lado de Cristiane de Macedo (que fez, com a Cia. Brasileira, A Volta ao Dia em 80 Mundos, também inspirada em Cortázar) e Diego Marchioro (de Buraco da Fechadura, com trechos de Nelson Rodrigues e direção de Rafael Camargo).
Assim como no espetáculo baseado em Nelson, neste Camargo busca uma "estética da inação", em que tenta comunicar por outros meios que não os movimentos do ator.
"O corpo é massacrado a vida inteira para que ele se molde. E as pessoas se escondem muito atrás dos gestos", explicam Rafael e Cristiane.
Postados diante das três portas de madeira no palco do Novelas, os atores ganham objetos simbólicos da inércia: chinelos de pedra, uma canoa sem rio e um ninho onde mora um homem.
"O cenário passa a sensação de estar parado, mas, com a imaginação, a pessoa pode ir a vários lugares", conta o cenógrafo Gabriel Gallarza.
Aproximação
O texto passeia entre esses atores praticamente imóveis. Em alguns momentos apenas, eles simulam uma aproximação ou cantam juntos daí o subtítulo da peça: Um Antimusical Psicodélico.
As histórias são apenas inspiradas em Cortázar, criador de um mundo habitado pelas criaturas fantásticas cronópios, esperanças e famas, cada uma com seu estilo peculiar de agir e pensar.
A direção musical e os arranjos são de Leonardo Pimentel e inspirados em várias referências, entre elas o tango. Quando a música sobe, exige dos atores alguma reação, e ela vem numa coreografia mínima: as mãos é que dançam.



