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Regina Vogue teve projeto aprovado, mas não viu o dinheiro | Hugo Harada/Gazeta do Povo
Regina Vogue teve projeto aprovado, mas não viu o dinheiro| Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo

Contraditória, Lei Rouanet poderá mudar

Com o retorno de Juca Ferreira à frente do Ministério da Cultura (MinC), os incentivos via renúncia fiscal propiciados pela Lei Rouanet voltam a ter suas fragilidades expostas. Alvo de críticas desde que foi criado, o mecanismo é repreendido por especialistas e até mesmo artistas, que veem na medida certa monopolização do fomento à cultura por grandes empresas.

O próprio ministro chegou a afirmar, em entrevista ao Jornal O Globo, na semana passada, que pretende reduzir o teto da renúncia fiscal da lei. A ideia dele é de que as empresas investidoras possam abater, no máximo, 80% de seus impostos em cima do valor doado, e não mais 100%, como é hoje. Os outros 20% viriam do Fundo Nacional de Cultura (FNC), que significa repasse direto do governo.

O diretor presidente da Associação de Vídeo e Cinema do Paraná (Avec), João Castelo Branco, culpa a vantagem lucrativa buscada incansavelmente pelas empresas como uma das maiores falhas da renúncia fiscal da Lei Rouanet. "As empresas usam dinheiro que é público para fazer marketing delas mesmas. É importante que se mude totalmente a formo como isso acontece hoje", declara.

Não só a lógica de especialistas, mas os números confirmam a concentração de incentivos pelo Lei Rouanet: a maior parte dos projetos apoiados por empresa encontram-se no eixo Rio-São Paulo. "Porque é óbvio que lá eles conseguem retornos melhores", comenta João Castelo Branco.

De acordo com o MinC, dos 20.604 projetos selecionados pela Lei Rouanet entre 2012 e 2014, 64,05 % deles foram propostos na região Sudeste. No Sul, que aparece como a segunda região mais bem colocada, 5.370 propostas conseguiram apoio de empresas no período, o que representa 26% do bolo.

Com número de aprovação bem menor, estão o Nordeste, o Centro-Oeste e o Norte, com, respectivamente, 6,25%, 2,83% e 0,79% de propostas incentivados.

Falta visão das empresas

Nem só a concentração esmagadora de patrocínios é criticada por entendidos da área. A falta de visão de empresas menores também é um ponto crítico que, na visão dos especialistas, contribui para tornar a lei menos justa.

De acordo com Ricardo Trento, diretor da ONG Universidade Livre da Cultura, com sede em Curitiba, donos de empresas de menor porte ainda não conseguem assimilar a cultura com a devida importância, o que pode prejudicar projetos que necessitam de incentivos mais locais.

"A Lei Rouanet é uma ferramenta muito simples e que tem um funcionamento muito inteligente, porque tira a produção da arte só do controle do Estado. Mas, o que acontece muitas vezes, é que estas empresas não estão preparadas para receber os projetos. Será que quem senta na cadeira para ler um projeto entende a dimensão disso? Esse é um ponto que temos que considerar", finaliza.

Verba do Profice segue indefinida

A inquietação dos artistas paranaenses que buscam apoio no primeiro edital do Profice, lançado em dezembro do ano passado, não deve ser apaziguada tão cedo. Isso porque o anúncio da verba–que era de R$ 30 milhões, mas foi suspensa – só deve sair depois da divulgação do resultado do edital.

O secretário de estado da Cultura, Paulino Viapiana, diz que a manobra é legal. "A resolução com que temos assinado pela secretaria da Cultura e pela secretaria da Fazenda nos dá suporte para estabelecer posteriormente os recursos que serão destinados. Recursos de renúncia fiscal não precisam ser estabelecidos antes".

Sobre a revogação do valor de R$ 30 milhões, feita no dia 19 de janeiro pela Secretaria de Estado da Fazenda, Viapiana explica que a decisão foi para ajustar o orçamento do estado, que enfrenta dificuldades financeiras. "A verdade é que a gente está numa crise terrível que afetou profundamente todas as atividades do estado. Não é só uma crise local, no Paraná. Mesmo o governo federal tem dificuldades nos repasses. É uma situação bastante grave".

Quanto ao valor futuramente definido, o secretário informou que ainda não é possível afirmar se será mantido os R$ 30 milhões. "Poderá ser até mais, se a situação estiver confortável", comenta. De acordo com ele, o trâmite do edital do Profice, que teve as inscrições prorrogadas até 31 de março, deve durar em torno de 120 dias.

Estagnado

O Prêmio Estadual de Cinema e vídeo também segue sem definição . Lançado para ter edições anuais, o programa não tem edital lançado desde 2012.

"Perspectiva para retomar o projeto nós temos. Mas precisamos de verba", comentou Viapiana.

A crise econômica que tem testado a capacidade administrativa dos gestores públicos não é um problema exclusivo das áreas sociais de maior visibilidade. Nem mesmo a cultura, com seus recursos mais modestos, conseguiu manter-se afastada do redemoinho da escassez e enfrenta, neste início de ano, apuros declarados.

INFOGRÁFICO: Entenda como funciona a Lei Rouanet

As adversidades não são poucas. O atraso de um repasse de verbas prometido pela Fundação Nacional das Artes (Funarte) está prestes a causar uma baixa na programação do Festival de Teatro de Curitiba, cuja grade de espetáculos já foi divulgada.

A peça Como Me Tornei Um Artista de Fuga, com oito encenações previstas para a mostra Fringe, teve sua participação no evento repensada por causa da falta do dinheiro previsto aos aprovados no edital 2014 do Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz.

No Paraná, sete grupos foram contemplados no processo. A dívida do governo federal com estes artistas chega a R$ 550 mil. Levando em conta as outras cem iniciativas selecionadas, o total de investimentos previsto é de R$ 3,75 milhões.

"Estamos totalmente condicionados à liberação desta verba. Inicialmente, eles [Funarte] estavam prevendo para janeiro, depois passou para fevereiro, mas agora não há nenhuma perspectiva. Se de fato a verba ficar para março, não participaremos do festival", desabafa Paulo Alves, que faz parte do elenco da peça. Para a produção do espetáculo deveriam ter sido destinados R$ 50 mil. "Já começamos os primeiros ensaios, mas precisamos do dinheiro para, efetivamente, executar a produção".

Sem explicar exatamente o motivo no atraso dos repasses, a Funarte, que não está em um dos seus melhores momentos, disse que aguarda liberação da verba pela União, para então depositar o dinheiro. A fundação não informou quando isso deve acontecer.

Vinculada ao Ministério da Cultura, a Funarte viu cair em 36% a verba disponível para investir em projetos culturais no país nos últimos dois anos. Com orçamento recorde de R$ 161 milhões em 2012, os investimentos da instituição ficaram condicionados a R$ 103 milhões em 2014.

Deslizes do mecenato

Enquanto os envolvidos no espetáculo Como Me Tornei Um Artista de Fuga ainda vibram pela remota chance de manter as encenações no Festival de Teatro de Curitiba, a artista e produtora cultural Regina Vogue riscou em definitivo sua participação no evento deste ano.

Os ensaios para a peça O Ébrio – baseada na canção escrita e gravada por Vicente Celestino, em 1936 – já estavam engatilhados, mas tiveram de ser interrompidos porque a produtora não conseguiu captar os recursos: cerca de R$ 105 mil, por meio da lei de incentivo fiscal do município de Curitiba, conhecida como mecenato.

Regina está entre os 162 proponentes que, mesmo com projetos aprovados, ficaram e ficarão de fora dos investimentos previstos no edital do mecenato de 2011, o último lançado. Assim como eles, ela não conseguirá mais correr atrás do incentivo porque não há mais essa possibilidade. Além de o prazo fornecido para a captação expirar no próximo mês de setembro, os cerca de R$ 10 milhões liberados, via renúncia fiscal, para 2015, se esgotaram já no início de fevereiro.

"É uma situação muito triste. Crise sempre tem, mas nunca foi tão forte como agora, parece", desabafa a artista. "Entendo que não é só aqui, é em todo o país e em várias áreas. Mas acredito que, com empenho, tem solução".

Para o especialista em políticas públicas Ulisses Galetto, a solução realmente existe e tem nome: habilidade na gestão. Segundo ele, os problemas que hoje afogam a cultura em Curitiba não se resolvem apenas com mais injeção financeira, mas também com mais habilidade na administração dos recursos.

"Nós estamos discutindo um modelo de gestão desastroso nesses últimos dois anos, que não levou em consideração as demandas crescentes de propostas e que não poderia ter aprovado quase 500 projetos no mecenato, sendo que tinha dinheiro apenas para muito menos que isso. A questão também é falta habilidade e criatividade na gestão disso tudo", avalia.

O presidente da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), Marcos Cordiolli, reconhece a falha do mecenato de 2011. As normas do documento, formuladas na gestão anterior, permitiram extrapolar os limites de suporte de projetos, mas as regras não tiveram como ser mudadas posteriormente.

"Quando o edital foi realizado, em 2011, houve um acordo da gestão anterior de que todos os projetos que recebessem nota oito automaticamente seriam habilitados a captar. Porém, como toda lei de renúncia fiscal, quando a pessoa recebe um certificado de captação, não significa que ela garanta aquele valor. Depende da capacidade de convencer os incentivadores".

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