
Depois de mais trinta anos de hiato, João Gilberto Tatára reaparece em um registro fonográfico consistente, que pode finalmente posicioná-lo de maneira adequada na história recente da música paranaense. Antologia de treze composições, Curitiba Canta Tatára acaba de ser masterizado e encaminhado para a produção final, com previsão de lançamento para o final de novembro. O álbum, produzido por João Gilberto Tatára Filho, Gil Gabriel, Alexandre Trauer e Marcelo Pulga, com direção musical de Fábio Lima, ratifica o legado de um dos mais importantes compositores e ativistas culturais da capital, ainda carente de maior representatividade fora de seu circuito underground que não é tão modesto.
De fato, não falta a Tatára o reconhecimento por sua militância, nem o seu trabalho está mofando em algum porão obscuro, à beira do esquecimento. Muitos músicos da cidade valorizam a trajetória do senhor altivo, de longas barbas brancas e voz de trovador medieval, e o veem como uma espécie de farol, agregador. Mas ainda falta maior projeção e curadoria de sua obra. "Pra mim, é uma honra ter essa rapaziada nova, que começou a se encorpar aqui, gravando minhas composições", afirma. "Há muito tempo queria que isso acontecesse".
Proprietário do Bardo Tatára, o músico tem um extenso relicário de parcerias reza a lenda de que era amigo de Raul Seixas, o que ele sempre nega , e chegou a lotar shows no Teatro Paiol na década passada. Entretanto, sua discografia oficial tem apenas dois álbuns, Jogo de Espelhos e Águas do Futuro, ambos dos anos 1980, produzidos em sua passagem pelo Rio de Janeiro, e fora de catálogo.
Há quem diga que ele tem mais de mil composições Tatára nunca foi reconhecido por organizar muito bem sua produção , algumas integrantes de um pequeno imaginário, como "Nossa Cidade" e "De Pernas Para o Ar". Esta última, aliás, faz parte do álbum e conta com poderosa interpretação de Ni Salles, uma das mais promissoras vozes surgidas do projeto Segunda Autoral.
Nós somos noite
A Segunda Autoral do Bardo Tatára se notabilizou por dar espaço à cena local e revelar novos talentos. O esquema é bem simples: o palco é livre e cada artista canta três músicas, contanto que sejam composições próprias. Alguns artistas com trajetória bem alinhavada, como Leo Fressato e a atriz Tacy de Campos, começaram na noite que nunca termina muitas jam sessions se prolongam até amanhecer.
A relação de intérpretes de Curitiba Canta Tatára reitera isso. Da própria Ni Salles até Rafiuska Arkuri, o set list é todo formado por "nativos" do bar, gente que um dia ficou sabendo que há um lugar na cidade que não fecha na segunda-feira à noite, e, pasmem, lota.
"Excetuando Jogo de Espelhos, todas as canções são inéditas em disco e bem conhecidas do público mais assíduo. Buscamos trazer intérpretes dos mais diversos gêneros e estilos para dar ao material uma sonoridade ampla", alega João Gilberto Tatára Filho. Os produtores planejam, gradativamente, realizar outras compilações da obra do compositor. "Cresci ouvindo o meu pai e as suas canções. Foi uma grande satisfação ter produzido um álbum tão importante para a sua carreira. Espero que seja o primeiro de muitos", completa.
De outros tempos
Um nome e uma história afetiva de velhos bares
Gil Gabriel é um dos músicos mais conhecidos do microcosmo do Bardo Tatára. Um dos fundadores do Solfá, grupo que anima as segundas-feiras do bar com suas composições despojadas e sem maiores pretensões, é o idealizador do Curitiba Canta Tatára. "Conheço o Tatára há muitos anos, desde os tempos de seu Velha Adega, bar que ele administrava na Vicente Machado. Ele tem uma história estreita com a música paranaense. Desde os anos 1980 queria realizar esse álbum".
Entretanto, as décadas foram se acumulando e nada do projeto sair. "Alguma coisa sempre dava errado e eu via o desânimo dele ao relatar isso. Um dia cheguei e disse: Tatára, vou produzir o seu CD", enfatiza. A produção, que começou no mês passado, é toda independente. A convite de Gabriel, cada músico escolheu uma canção de sua preferência e custeou a sua participação. "Este álbum tem peso cultural. Significa muito ao Tatára e certamente é um bom recorte do que está sendo produzido atualmente em nosso cenário musical", define.






