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Baarìa percorre três gerações de uma mesma família de Bagheria, na província de Palermo | Divulgação
Baarìa percorre três gerações de uma mesma família de Bagheria, na província de Palermo| Foto: Divulgação
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Veneza - Giuseppe Tornatore gosta muito da frase de um personagem de O Leopardo, do escritor Tomazzo di Lampedusa, siciliano como ele: "Deve-se abandonar a Sicília antes dos 17 anos, para não se ficar contaminado para sempre com os defeitos dos sicilianos", diz o príncipe Salina. "Como deixei a minha ilha somente aos 28 anos, 11 depois da idade prescrita por Lampedusa, posso dizer que tenho em mim todos os defeitos sicilianos", acrescenta Tornatore. Mas é claro que ele diz isso com uma ponta de ironia que parece insinuar: "Assimilei todas as qualidades sicilianas também."

Baarìa, primeiro filme em concurso no 66.º Festival de Veneza, é uma imersão completa do autor em sua terra natal. Imersão nem mesmo na grande ilha como um todo, mas em sua cidade natal, Bagheria, na província de Paler­mo, transfigurada em Baarìa, no­­me árabe original.

O filme percorre três gerações de uma família de Bagheria, de Cicco ao filho Peppino e ao neto Pietro. Um é humilde criador de cabras. O segundo se envolverá na política e se tornará comunista para se opor à injustiça social. Também conhecerá a mulher de sua vida e lutará por seu amor con­­tra todos.

O terceiro, de certa forma, será a síntese do pai e do avô. A sucessão de gerações percorre também a história da Itália vista da província: a ascensão do fascismo, passando pela derrota na Segunda Guerra Mundial, o sonho da igualdade e a fase de ilu­sões desfeitas. Um painel amplo, ambicioso, num filme vocacionado para grande público, e que saiu ao custo de 25 milhões de euros, nada negligenciável para o mercado europeu.Tanto assim que há preocupação com o "idioma" falado.

Na cópia apresentada no festival, os personagens falam dialeto da Sicília, com legendas em italiano. É desse modo que o filme será distribuído na Sicília e no exterior. Já no resto do País, haverá uma versão "italianizada", para que a variante siciliana seja compreendida pelo público italiano do continente. Na Itália, como se sabe, a maior parte dos filmes é dublada, em virtude da aversão do público à leitura de legendas.

Ao sair da Sicília, aos 28 anos, Tornatore aprendeu que havia um mundo lá fora, que existia e girava de maneira independente. Constatou outra coisa também: já aprendera muito sobre esse mundo exterior, percorrendo os cem metros da rua em que morava, Via Gioacchino Gattuso até a praça da Matriz. De certa forma, o vilarejo siciliano era também um mundo em si, um microcosmo, com suas alegrias e tristezas, paixões e questões políticas, sujeitas desde logo à onipresença da Máfia.

"Assim, não quis fazer um filme apenas sobre a Sicília, mas a partir dela, falar de coisas mais gerais e universais." Por exemplo, quando Peppino, o comunista, que muito havia sofrido por causa do seu credo, passa a ser contestado pela nova geração saída do radicalismo de 1968, tem de explicar ao filho pequeno o que significa ser um reformista. "Reformista", diz, "é aquele que sabe que, quando uma cabeça bate contra uma parede, o que se rompe é a cabeça e não a parede". Essa sabedoria, ou conformismo segundo o ponto de vista, será resultado do longo aprendizado de Peppino. E representa, sem dúvida, o ponto de vista do diretor, projetado sobre o personagem.

"Ele quer dizer que buscar tudo de modo drástico e excessivo não leva a nada; que é preciso aceitar a convivência e isso só se faz com bom senso." Essa crítica ao radicalismo volta-se contra o individualismo. "Avançamos, na Itália e no mundo, mas perdemos a paixão civil, a relação com os problemas da coletividade." Essas questões estão presentes no universo pequeno da cidade siciliana. Baarìa pode ser visto como alegoria que fala de si para falar do mundo", diz.

Tornatore entrará na disputa pelo Leão contra alguns pesos-pesados, tais como o veterano Jacques Rivette, um dos fundadores da nouvelle vague, no ano em que o movimento francês completa seu 50.º aniversário. Ele traz ao Lido um filme chamado Pic Saint Loup, com a atriz cult Jane Birkin e o italiano Sergio Castellitto no elenco. Há mais franceses na disputa, como Patrice Chéreau (Persécution) e Claire Denis (White Material), com Isabelle Huppert no elen­­co, uma devoradora de prêmios.

A seleção contempla também várias produções norte-americanas: A Single Man, de Tom Ford, Bad Lieutenant (re­­make do filme de Abel Fer­­rara), do alemão Werner Her­zog, agora filmando nos EUA, Survival of the Dead, de George Romero, Life During Wartime, de Todd Solondz e The Road, do australiano John Hillcoat, baseado no romance A Estrada, de Cormac­McCarthy.

Também dos Estados Unidos vem o único do­­cu­­men­­­­tário do concurso: The Capita­lism, do provocador Mi­­chael Moore que, com certeza, provocará frisson no Lido com suas declarações bombásticas e frases de efeito. Tomara o filme, que se pretende crítico ao sistema econômico dominante, tenha substância que justifique o discurso do cineasta.

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