
Há 50 anos, na Suécia, a seleção brasileira de futebol conquistava seu primeiro título mundial. Capitaneada pelos dribles de Garrincha e pelos gols de um jovem Pelé, a conquista inédita surgiu em meio à transformações políticas, impulsionadas pelo governo Juscelino Kubitschek e também sob os acordes da bossa nova, música fresca que nascia no Rio de Janeiro.
Debates sobre o período que sepultou a rodrigueana "síndrome do vira-lata" e fez com que brasileiros tivessem orgulho de seu país e de sua cultura acontecem de hoje a quinta-feira no colóquio 1958: Que Brasil É Esse?, realizado pelo Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A abertura, às 18h45 (veja programação completa no quadro ao lado), será com José Miguel Wisnik, compositor e professor da Universidade de São Paulo. Wisnik aproveita a ocasião para lançar em Curitiba seu livro Veneno Remédio O Futebol e o Brasil (Companhia das Letras).
Questionado sobre o aparente antagonismo sugerido pelo título da obra, o autor explica a dualidade dos brasileiros em relação ao futebol. "O Brasil é um país de ambivalências. Se nossa seleção ganha bem um jogo, consideramos que nunca houve seleção igual àquela. Agora, se empata com um adversário fraco, já é a pior do mundo. Isso está ligado a uma relação infantil que temos com o futebol", disse Wisnik, referindo-se aos dois últimos jogos da seleção brasileira pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2010 (3x0 contra o Chile e 0x0 contra a Bolívia).
Bossa nova
Quase na mesma velocidade das arrancadas de Garrincha, rodas de violão regadas a uísque surgiam nos bares cariocas. Era o princípio da bossa nova, maior movimento musical genuinamente brasileiro em várias décadas, que acontecia na voz de João Gilberto e nas composições de Tom Jobim. Semelhanças entre os dribles desconcertantes de Garrincha e as melodias inovadoras da época são perceptíveis para Wisnik, também autor de Pérolas aos Poucos, aclamado CD lançado em 2003.
"Não tenha a menor dúvida de que futebol é expressão artística. Não é arte, em si, mas ele dá margem para a gratuidade, para o que não tem contabilidade, o que não é produtivo. Em outros jogos, por exemplo, há confronto de ataque contra defesa que são traduzidos em números. No futebol não é assim. O domínio territorial não se traduz sempre em gols. Aí temos a possibilidade de uma narrativa não-contabilizada, por isso o futebol é também como a literatura e como a música: há a possibilidade do épico, do trágico, do lírico e do poético a cada jogo", disse Wisnik.
Arquitetura
Em 1958, a construção de Brasília um dos principais feitos do governo JK, que prometia avançar 50 anos em cinco estava próxima da conclusão. A cidade, no coração do Brasil, substituiria o Rio de Janeiro como Capital Federal dois anos depois, sendo símbolo da ordem, do progresso e da almejada unificação dos diferentes "brasis".
A conquista na Suécia, segundo o professor, funcionou como um catalisador para as transformações do país. "Não foi algo causalista ou determinante. Mas aquele foi o primeiro momento em que o Brasil dava uma demonstração de produção cultural não-periférica. Não era mais um país que só produzia açúcar, café e banana, mas que produzia também a bossa de Tom Jobim, a arquitetura de importância internacional de Oscar Niemeyer, a poesia concreta e finalmente um futebol campeão do mundo. Isso foi realmente importante na vida do brasileiro", explicou.
Para Wisnik, um país com antiga história escravista dava finalmente seus primeiros sinais de industrialização e lidava com informações modernas como nunca havia acontecido.
Discussões atuais
A identificação da seleção brasileira de futebol com seu povo, surgida a partir do título de 1958, parece estar em crise. É o que pensa Wisnik, que também traz discussões atuais em seu livro e na palestra de logo mais.
"Hoje jogadores se transferem para o exterior assim que surge uma oportunidade. Eles se afastam do cotidiano futebolístico do Brasil e imergem em realidades econômicas diferentes. Isso contribui para o momento de crise física e psicológica que assistimos hoje, propiciado depois da eliminação da Copa do Mundo de 2006", comentou Wisnik, referindo-se à derrota para a França nas quartas-de-final da Copa da Alemanha.
Serviço
Colóquio 1958: Que Brasil É Esse?
Departamento de História da UFPR (R. Gen. Carneiro, 150, 6º andar), (41) 3360-5086. De 7 a 9 de outubro. Entrada franca.



