
O Lobo Mau telefona para a casa da Chapeuzinho Vermelho. Os Três Mosqueteiros são primos de uma menina e todos eles estão em um sítio. A cozinheira da bruxa que morreu tenta controlar o destino de João e Maria a partir do que está escrito em um manual. Sete anões apaixonados por Branca de Neve a confundem com Cinderela. Uma conversa entre mãe e filho, ambos fantasmas. Outro bate-papo de um filho com a sua mãe, bem vivos, a respeito de bruxas.
Livia Garcia-Roza desconstrói contos de fadas, fábulas, lendas e histórias presentes no imaginário humano desde muito. A proposta fica evidenciada já no título de seu mais recente livro, Era Outra Vez. Cada um dos 13 contos tem como referência algum personagem mais do que conhecido, como Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, e outros citados no primeiro parágrafo. A escritora carioca também valeu-se de pais e filhos, que compartilham esses enredos na realidade, como personagens recorrentes em breves peças ficcionais que, entre outros atrativos, apresentam cenários e ambientações contemporâneos.
A proposta de Livia insinua que todos têm, se não o direito, no mínimo a possibilidade de relativizar as histórias, a História e tudo o que é considerado clássico, como são os contos de fadas. Em "O Lobo Mau", o protagonista telefona para a casa de Chapeuzinho Vermelho com o objetivo de desabafar que não aguenta mais aparecer em enredos como vilão. Ele pede, inclusive, para não ser mais citado: "Pega mal pra mim e pra alcateia, minha tribo. Está me entendendo?".
Em "A Cigarra e a Formiga", a personagem Mariana terá de contar, do seu jeito, a partir de seu repertório de criança que ainda é, a fábula que empresta título ao texto inventivo de Livia. A menina reinventará o enredo original, aumentando um ponto, omitindo e acrescentando detalhes de acordo com o inesperado e com aquilo que pulsa em seu imaginário no momento em que faz a narração.
Ao desfazer, ou então refazer enredos consolidados e de domínio público, a autora não apenas afirma a importância da tradição como sugere, mesmo indiretamente, que buscar a própria voz e apostar na idiossincrasia pode ser o caminho do mundo. Era Outra Vez mostra, e de certa maneira prova, que o reinventar é tão relevante quanto aceitar as invenções (alheias), e que o gosto pessoal deve ser prioridade vital a exemplo de um personagem que, convidado a "reproduzir" a história da tartaruga e da lebre, confessa preferir Cinderela, Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e Rapunzel.
* * * * * * * *
Serviço
Era Outra Vez. Livia Garcia-Roza. Companhia das Letras. 85 págs. R$ 23,70.



