
Paranaguá - Quando desligou o motor e finalmente estacionou o Volkswagen 18-310 no posto Aldo Locatelli, na entrada de Paranaguá, Miguel Alves de Melo olhou com certa curiosidade para aquela tenda, estranhamente montada no pátio do estabelecimento que recebe cerca de mil caminhões por dia. Ele sabia que algo acontecia ali. Algum evento fechado. Exclusivo, talvez. Mas aí viu outros companheiros de boleia deixando a sala escura com sorriso na cara e com pipoca nas mãos. "Tem que pagar não, seu Miguel. O cinema é de graça".
Caminhoneiro há 45 anos, Miguel, de 63, não pisava em uma sala de cinema havia 15 anos. A última sessão que acompanhou o filme ele já não lembra foi em Telêmaco Borba, sua cidade natal. "Agora o caminhoneiro tem diversão. Achei nota dez", disse o motorista, palitando os dentes em frente à tenda onde viu do começo ao fim o filme Lisbela e o Prisioneiro.
Se é de Guel Arraes ou não, se é uma adaptação da peça de Osman Lins ou não, se há Los Hermanos na trilha sonora ou não, pouco importa. O importante para Miguel é que ele quer ver (e rever) os filmes oferecidos desde o dia 14 de julho pela Bridgestone Bandag Tire Solutions (BBTS). O evento, realizado em parceria pela Bellini Cultural, chama-se Cinema para Caminhoneiro, está em sua segunda edição e segue com sessões de segunda à sexta-feira, às 20 horas, até o dia 16 de agosto.
"A escolha de Paranaguá foi estratégica, uma vez que se trata de uma região com grande fluxo de caminhoneiros provenientes de todo o Brasil", explica Ricardo Drygalla, gerente de marketing da BBTS.
De fato. Por noite, cerca de 150 caminhões "dormem" no grande pátio do posto. O Volks de Miguel carregava 24 toneladas de matéria-prima para construção de trilhos de trem e seguia para Curitiba. As duas horas e meia de estrada ganharam novo ânimo depois dos 110 minutos de exibição, entremeados por refrigerante e pipoca, oferecidos gratuitamente.
Os cinco filmes escolhidos têm, de certa forma, ligação com o mundo dos caminhoneiros. Além de Lisbela e o Prisioneiro a história do aventureiro Leléu e da sonhadora Lisbela, que adora ver filmes norte-americanos e delira com heróis do cinema , O Auto da Compadecida, Irmãos de Fé, O Casamento de Romeu e Julieta, o paranaense Sal da Terra e o au concours 2 Filhos de Francisco estão em cartaz. "Nossos filmes são bons. Não perdem em nada para os estrangeiros". Este é Ismael Mariano, que assistiu pela quarta vez a 2 Filhos de Francisco. "Vai até o dia 16? Ainda dá para ver muito filme. Bom é que a gente vai aprendendo."
Além dos caminhoneiros, os próprios funcionários do posto se vangloriam com a grande tenda azul que impera no quilômetro 5 da BR-277. O segurança Lorimar Bastos, 36 anos, não ia ao cinema desde os 15. Mas lembra direitinho como foi aquela vez, já que vibrou com Arnold Schwarzenegger nas explosões de Comando para Matar, clássico de ação de 1985. "Que filme, que filme!", bradou Bastos, avisando que tem mesmo "pipoquinha toda noite".
Na sala de exibição, são cerca de 200 lugares. Há dias mais concorridos, outros são um fiasco afinal de contas não dá para concorrer com o churrasco mensal que o posto oferece aos caminhoneiros.
Mas o movimento e a escolha do local agrada a Naor Rezende Filho, gerente do Locatelli. "Escolheram nosso posto pela localização e o apoio que damos aos caminhoneiros que passam por aqui. Para eles, que trabalham o dia todo, é muito importante esse tipo de evento", diz o empresário, aumentando a voz e competindo com o "vrruuuuuuum" quase insuportável de um caminhão que acabara de estacionar.




