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Livro

Do papo furado à erudição

Eles Foram para Petrópolis reproduz a troca de correspondências eletrônicas mantida no início desta década pelos jornalistas Ivan Lessa e Mario Sergio Conti e publicadas pelo site UOL

De Londres, o veterano Ivan Lessa “destila” seu texto ímpar, cheio de humor e referências | Reuters
De Londres, o veterano Ivan Lessa “destila” seu texto ímpar, cheio de humor e referências (Foto: Reuters)
De São Paulo, Mário Sérgio Conti traça um retrato do Brasil no início desta década |

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De São Paulo, Mário Sérgio Conti traça um retrato do Brasil no início desta década

Transposta para livros, a troca de correspondências entre escritores praticamente constituiu um gênero literário. Quem escreve bem e pensa com clareza mantém o estilo mesmo quando se dirige a um único interlocutor e aborda um tema particular. No caso dos jornalistas e escritores Mario Sergio Conti e Ivan Lessa, além de mostrarem estilo impecável na troca de correspondência, os dois exibem erudição. Deve ter sido a constatação de que os e-mails pessoais que trocavam tinham mais qualidade que muito livro que está nas livrarias que deu a Conti a idéia de promover uma correspondência pública com o colega Ivan Lessa, que vive em Londres há mais de 30 anos. Os textos dos dois foram publicados pelo site UOL, do grupo Folha, entre maio de 2000 e abril de 2001.

Tratava-se, na verdade, de falsos e-mails. As mensagens eram escritas para serem publicadas e, portanto, pensadas para falar com o público e não com um interlocutor único. Algumas vezes, os dois combinavam de antemão o tema a ser abordado. O fato é que a conversa funciona. Muitas vezes tem jeito de papo furado. Em outras, soa como uma página rediviva do Pasquim, onde Lessa escreveu e onde tornou seu humor finamente irônico conhecido. Ou, ainda, soa como um jogo de referências culturais, populares e eruditas, em que os jogadores se divertem em tirar da memória informações deliciosas sobre o mundo das artes.Da parte de Conti, se tem um toque mais documental do Brasil que ele vê como repórter especial da Folha de S.Paulo e como morador de São Paulo que às vezes viaja para outros cantos do Brasil.

Para publicar os e-mails em livro, os autores foram um pouco além. Incluíram algumas mensagens de caráter pessoal que trocaram naquele período. Assim, fica-se sabendo que Lessa está sempre cobrando o pagamento por seu trabalho e desespera-se quando não encontra o dinheiro na sua conta bancária; percebe-se sua angústia quando a mãe, a cronista Elsie Lessa, falece aos 85 anos, em Portugal; acompanha-se a preocupação dos dois com o amigo Diogo Mainardi, cujo filho recém-nascido tem um problema de saúde. Vem do mais sério dos dois os toques de meiguice: as poucas frases de Conti falando sobre a vida com sua filha pequena deixam transparecer o encantamento de um pai apaixonado: "Abraçada no macaco (de pelúcia), dando tchau: um encanto difícil de descrever, de definir."

Se a informalidade é maior nesses e-mails "verdadeiros", o estilo é o mesmo. Está lá a ironia, a erudição. Por trás dela transparece a amizade entre os dois, o respeito e carinho que um parece ter pelo outro ("Agora que você aceitou, como tudo indicava, torço pelo senhor, evidentemente. Para que tudo dê certo" – Lessa para Conti, depois que este aceitou ser diretor do Jornal do Brasil). Lá pelas tantas, Ivan Lessa conta que anda deprimido: "Em meio à depressão, fui fazer um levantamento da minha vida. Boa idéia, né?", ironiza. Resposta de Conti: "Vai de arsênico, cara. Ou então dê uma de Sylvia Plath e enfie a cabeça no forno."

Acima de tudo, Eles Foram para Petrópolis é uma oportunidade de se ler Ivan Lessa, dono de um estilo tão pessoal e divertido que é difícil de descrever. Ele publica semanalmente uma crônica no site da BBC Brasil. Fora disso, tem um romance publicado, além de alguns livros de crônica. É um autor comentado, mas pouco lido. Os e-mails, falsos e verdadeiros, são amostras deste estilo.

Serviço

Eles Foram Para Petrópolis, de Ivan Lessa e Mario Sergio Conti. Companhia das Letras, 262 págs., R$ 40.

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