
Transposta para livros, a troca de correspondências entre escritores praticamente constituiu um gênero literário. Quem escreve bem e pensa com clareza mantém o estilo mesmo quando se dirige a um único interlocutor e aborda um tema particular. No caso dos jornalistas e escritores Mario Sergio Conti e Ivan Lessa, além de mostrarem estilo impecável na troca de correspondência, os dois exibem erudição. Deve ter sido a constatação de que os e-mails pessoais que trocavam tinham mais qualidade que muito livro que está nas livrarias que deu a Conti a idéia de promover uma correspondência pública com o colega Ivan Lessa, que vive em Londres há mais de 30 anos. Os textos dos dois foram publicados pelo site UOL, do grupo Folha, entre maio de 2000 e abril de 2001.
Tratava-se, na verdade, de falsos e-mails. As mensagens eram escritas para serem publicadas e, portanto, pensadas para falar com o público e não com um interlocutor único. Algumas vezes, os dois combinavam de antemão o tema a ser abordado. O fato é que a conversa funciona. Muitas vezes tem jeito de papo furado. Em outras, soa como uma página rediviva do Pasquim, onde Lessa escreveu e onde tornou seu humor finamente irônico conhecido. Ou, ainda, soa como um jogo de referências culturais, populares e eruditas, em que os jogadores se divertem em tirar da memória informações deliciosas sobre o mundo das artes.Da parte de Conti, se tem um toque mais documental do Brasil que ele vê como repórter especial da Folha de S.Paulo e como morador de São Paulo que às vezes viaja para outros cantos do Brasil.
Para publicar os e-mails em livro, os autores foram um pouco além. Incluíram algumas mensagens de caráter pessoal que trocaram naquele período. Assim, fica-se sabendo que Lessa está sempre cobrando o pagamento por seu trabalho e desespera-se quando não encontra o dinheiro na sua conta bancária; percebe-se sua angústia quando a mãe, a cronista Elsie Lessa, falece aos 85 anos, em Portugal; acompanha-se a preocupação dos dois com o amigo Diogo Mainardi, cujo filho recém-nascido tem um problema de saúde. Vem do mais sério dos dois os toques de meiguice: as poucas frases de Conti falando sobre a vida com sua filha pequena deixam transparecer o encantamento de um pai apaixonado: "Abraçada no macaco (de pelúcia), dando tchau: um encanto difícil de descrever, de definir."
Se a informalidade é maior nesses e-mails "verdadeiros", o estilo é o mesmo. Está lá a ironia, a erudição. Por trás dela transparece a amizade entre os dois, o respeito e carinho que um parece ter pelo outro ("Agora que você aceitou, como tudo indicava, torço pelo senhor, evidentemente. Para que tudo dê certo" Lessa para Conti, depois que este aceitou ser diretor do Jornal do Brasil). Lá pelas tantas, Ivan Lessa conta que anda deprimido: "Em meio à depressão, fui fazer um levantamento da minha vida. Boa idéia, né?", ironiza. Resposta de Conti: "Vai de arsênico, cara. Ou então dê uma de Sylvia Plath e enfie a cabeça no forno."
Acima de tudo, Eles Foram para Petrópolis é uma oportunidade de se ler Ivan Lessa, dono de um estilo tão pessoal e divertido que é difícil de descrever. Ele publica semanalmente uma crônica no site da BBC Brasil. Fora disso, tem um romance publicado, além de alguns livros de crônica. É um autor comentado, mas pouco lido. Os e-mails, falsos e verdadeiros, são amostras deste estilo.
Serviço
Eles Foram Para Petrópolis, de Ivan Lessa e Mario Sergio Conti. Companhia das Letras, 262 págs., R$ 40.




