
A pichação que apareceu na fachada do Museu Guido Viaro, em Curitiba, no último dia 15, gerou comoção por parte dos admiradores do local e de quem repudia o ato. Mas a ação no prédio de 1930, considerada crime ambiental, também ganhou algumas manifestações de apoio. A pichação é considerada uma forma de expressão legítima e necessária por quem a compreende como um produto da desigualdade social e da falta de acesso a serviços básicos como a educação. E sua presença na fachada de um museu privado, em última instância, colocou na prancheta diversas questões sobre os limites da arte.
Em São Paulo, três manifestos de pichadores em espaços culturais a partir de 2008 resultaram em fama internacional para os autores. Nesta semana, Curitiba percebeu que esse pensamento ressoa por aqui. É o que demonstrou um manifesto anônimo publicado na internet, na sequência da pichação ao Guido Viaro, de acordo com o qual "é preciso pensar na cadeia de legitimação onde alguns podem construir seus próprios museus e outros que tem suas vivências/criações silenciadas e tratadas como crime".
Respostas a essa postura também surgiram, especialmente porque o museu em questão é um dos espaços culturais mais democráticos da cidade. A entrada é gratuita, e lá são oferecidos concertos e palestras. O espaço também dedica uma sala a Dalton Trevisan e, ironia à parte, há alguns anos exibiu o documentário Exit Through the Gift Shop, sobre Banksy, o polêmico artista de rua e ativista inglês. O museu foi aberto há cinco anos e não tem nenhum subsídio público.
A pichação do museu foi feita por integrantes ligados à grife PD5 (Pichador de 5 Estrelas) "clã" que reúne cinco grupos (ou "crews"): Cretinos, Os Careta, Panibop, Lakdos e Poetas. De acordo com O., integrante da Panibop que fez parte da ação, o alvo foi escolhido a dedo para o ato de protesto.
Significados
Arte, protesto ou crime? Para a professora de História Social da Arte Elisabeth Seraphim Prosser, que observou e registrou a arte de rua entre 2004 e 2009 para sua tese de doutorado, a pichação do Museu Guido Viaro suscita mais de uma leitura. Quem a fez pode estar protestando contra a própria arte, questionando sua legitimidade. Ou pode estar querendo dizer que tudo é arte, ao colocar-se tão artista quanto quem está do lado de dentro do museu.
Elisabeth questiona a ação contra obras de outros artistas, lembrando que, dentro do próprio movimento da pichação, há uma ética que protege as pichações de um autor de serem "atropeladas" por outras. Mas lembra que, independentemente do alvo, a essência da intervenção é mesmo o confronto. "É uma transgressão contra o próprio sistema, que é visto como imposto pelos segmentos dominantes da sociedade, contra os quais a maioria [dos pichadores] protesta. Mas é um protesto contra algo difuso", diz.
Num primeiro momento, ser alvo de um protesto antimuseus fez Guido Viaro, administrador do acervo do avô de quem herdou o nome, repensar as atividades gratuitas. Somando todos os compartilhamentos via Facebook da matéria em que a Gazeta do Povo noticiou o fato, Viaro contou 35 mil comentários, sendo "99% indignados com a pichação".
Para o artista visual Valdecir Morais, o "Valdecimples", um dos pioneiros da cena do grafite em Curitiba, o pichador não escolhe o alvo com alguma intenção estratégica. "Um pichador comum pode nem saber que é um museu, assim como a maioria das pessoas. Em Curitiba, poucos sabem bem o que é um museu, o que é grave. É uma população que não tem consciência dos seus próprios bens. E os pichadores entram neste mesmo perfil", analisa.
Mas ele admite que em Curitiba existe a sobreposição intencional de outras obras artísticas, como no caso das pichações feitas em "suportes" claramente caracterizados como obras de arte, como os murais de Poty Lazzarotto e Erbo Stenzel na Praça 19 de Dezembro. "É feito conscientemente, com o intuito de agredir a cidade e sua arte embora não se trate propriamente de 'agredir', já que a tinta não mata, só altera a paisagem", diz Valdecimples.
"Invasor" de bienal já expôs em Paris
Helena Carnieri
Idealizador da invasão de pichadores à "Bienal do Vazio", em 2008, Djan Ivson Silva, morador de Osasco (SP), hoje vende telas cuja estética é inspirada nas tipografias da pichação. O jovem tem compradores europeus e trabalha com marchands de arte.
A entrada de jovens de periferia e suas latas de spray no coração da arte contemporânea brasileira, a Bienal de São Paulo, no Ibirapuera, foi definida por ele como um "enquadramento no projeto curatorial": afinal, os curadores Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen haviam declarado estar abertos a intervenções urbanas. "Estou inteirado sobre esse discurso, já dei palestras, ajudo pesquisas acadêmicas. Aproveitamos a brecha", contou à Gazeta do Povo, por telefone.
A ação de 2008, em que participaram cerca de 40 jovens e que terminou em repressão e na prisão de Caroline Pivetta da Mota, resultou num convite pela Fundação Cartier para uma exposição em Paris. Depois, o "fluxo aumentou": a Bienal de 2010 convidou os mesmos pichadores expulsos na edição anterior para expor "pacificamente".
Quando veio o convite para entrar no mercado da arte, Djan conta ter relutado. Ele levou quatro anos para pensar numa forma de "entrar no jogo sem perder a integridade". "Pensei que, se alguém tem que representar os pichadores, temos que ser nós. Porque tem várias pessoas se apropriando da nossa estética, até em logomarcas, e o pichador sempre está de escanteio. Demonizado pela sociedade, absorvido por parte dela. Isso começou a me incomodar."
Para Djan, o único problema seria negociar espaço na rua, algo de que acusa o movimento do grafite. "O que move o 'pixo' é a liberdade."
Sobre a pichação do Museu Guido Viaro, Djan acha "justo". "Mesmo que não tenha motivação definida, só o ato de pichar já é político. Dificilmente o pichador seria convidado para expor. Acho justo. Fui escolhido pelo destino para representar o movimento."
Interatividade
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