O século 19 foi pródigo em grandes monarcas. Reis que marcaram seu tempo por sua longevidade, por sua capacidade de trabalho, por seu senso de dever e por ocuparem o trono em um período de grandes transformações econômicas, políticas e sociais. No mundo anglo-saxão, mais do que qualquer outra figura política, a imagem da rainha Vitória é permanente. Nomes de praças, de ruas ou monumentos a ela dedicados são encontrados em quase em todas as cidades inglesas e nos antigos domínios britânicos. É uma figura querida e respeitada. Ela até dá nome a um período histórico: a Era Vitoriana, caracterizada pelo puritanismo, pela moral conservadora, pela Segunda Revolução Industrial, pelo Imperialismo e pelo período no qual a Grã-Bretanha foi senhora dos mares e grande potência mundial.
Para os brasileiros, esse período também tem dono: dom Pedro II ou como ele próprio preferia, Pedro de Alcântara. Não é possível para qualquer historiador passar pelo século 19 no Brasil, sem se deter na figura do segundo e último imperador brasileiro. Figura única e marcante, ilustrava bem as transformações e as contradições que o Brasil e o mundo viviam durante seu longo reinado. Partidário dos modernos maquinismos e tecnologias, erudito, poliglota, amigo de escritores e intelectuais como Nietzsche, Victor Hugo e Gobineau, reinava soberano sobre um império escravocrata dominado por conservadores retrógrados, ainda que considerasse a si próprio um liberal.
Contraditória foi também sua indecisão em abolir, logo no início de seu reinado, não apenas o tráfico negreiro, como a própria escravidão. Pecou também no preparo de sua sucessora, Isabel, dedicada filha, esposa e mãe, mas que não foi devidamente instruída e treinada para assumir o comando do Império, o que, no final do período monárquico, mostrou-se fatal para a subjugação do movimento republicano e a manutenção da monarquia brasileira.
Apesar do nascimento privilegiado, filho de duas das mais importantes casas reais européias, Bragança e Habsburgo, não teve vida fácil. Órfão de mãe com apenas um ano, foi deixado no Brasil junto com as irmãs, quando o pai abdicou em 1831, levando-lhe a madrasta querida. Uma das irmãs faleceu ainda criança e do casamento protocolar sem paixão, mas com ternura, enterrou três pequenos príncipes, restando-lhe apenas duas meninas, uma das quais o imperador veria sepultada com apenas 24 anos. A vida familiar foi, assim, repleta de lutos.
Seu refúgio, como em situações similares costuma ser, foram os livros, a arte, o estudo e a erudição. Esse gosto pelos livros, talvez tenha sido herança da mãe austríaca, da qual herdou também o temperamento. Dono de memória incomum e de inteligência rápida e sagaz, relacionou-se com os maiores homens de seu tempo e patrocinou, muitas vezes com fundos privados, artistas e instituições culturais e científicas brasileiras e estrangeiras. Sua ascensão ao poder, através do Golpe da Maioridade, iniciou um período de estabilidade e de progresso, no qual os brasileiros não deixavam de se orgulhar de seu jovem rei, inteligente, sisudo, alto, loiro e de olhos azuis.
Seu governo foi marcado pela rivalidade entre liberais e conservadores, pelas discussões acerca do regime de mão-de-obra, pelo fim do tráfico de escravos, pela vinda dos imigrantes europeus, pela modernização e incremento da infra-estrutura econômica do país. No entanto, ao que parece, sentia enfado pelo seu papel de imperador. Preferia ser um presidente da República, um ministro ou um professor.
Grande viajante, conheceu boa parte do mundo e representou bem e com dignidade o Brasil no exterior. Viajou pela Europa, pelo Oriente Médio e pela América do Norte, causando sempre boa impressão acerca de si e do Brasil. Apesar de muito amado por seu povo, sofria sérias críticas da imprensa e dos grupos republicanos em ascensão. No final de seu reinado, doente e sem forças para reagir, acabou por se entregar à força do destino e permitiu que uma quartelada circense destruísse o que, na opinião de muitos, era a única verdadeira democracia da América Latina em seu tempo.
Wilson Maske é Doutor em História do Brasil pela UFPR e professor da PUCPR e das Faculdades Curitiba



