
Era 2 de maio de 1950 e a orquestra de Duke Ellington (1899-1974) parecia capaz de operar milagres. O disco gravado ao vivo em Zurique, na Suíça, acaba de sair com uma embalagem luxuosa em papel, seguindo o padrão de qualidade Biscoito Fino. Na verdade, o lançamento é duplo e inclui outro álbum, uma apresentação fora de série do pianista Oscar Peterson com a cantora Ella Fitzgerald em 1953.
Os títulos fazem parte do selo internacional da gravadora carioca, inaugurado em fevereiro com Live in Marciac 1993, dos pianistas Tommy Flanagan e Hank Jones. Num mercado fonográfico combalido, é confortante encontrar bom gosto. Ao olhar para os discos da Biscoito Fino, você pode pensar: "Ah, então é por isso que algumas pessoas ainda gostam de CD".
Apesar dos encartes simples, de 8 (Ellington) e 12 páginas, eles trazem informações sobre as faixas, fotos simpáticas e textos críticos que procuram situar o ouvinte no tempo e explicam a importância das gravações. A qualidade sonora dos discos é evidente mesmo para ouvidos leigos.
A orquestra de Ellington parece uma criatura viva, única, inconsciente de sua própria força. Uma "fábrica de sons", para usar a expressão empregada pelo crítico José Domingos Rafaelli no texto do livreto que acompanha o CD.
Ao longo da noite, Ellington distribui os "thank you, thank you very much" de praxe, elogia a plateia como quem tem mais o que fazer e apresenta pequenas introduções das músicas e dos instrumentistas que o acompanham, incluindo o saxofonista Johnny Hodges e o pianista Billy Strayhorn (1915-1967), com quem compôs "Take the A Train", aliás, um dos pontos altos do espetáculo. Ellington, com a humildade característica, chama o amigo para assumir o piano e oferece uma versão um tantinho mais lenta do clássico, com direito a um belo solo de Strayhorn, acompanhado só de baixo e bateria.
"Creole Love Call", com trompete, clarone e a vocalização de Kay Davis é um blues pacificador. E o que Ray Nance faz com o violino em "Frankie & Johnnie" é impressionante só faltou quebrar o instrumento e atear fogo.
Cada uma das músicas parece ocupar um lugar perfeito. A apresentação é intensa na hora certa e, quando a temperatura diminui, uma melodia carinhosa como a de "Violet Blue" toma conta do público. Ou melhor, é Hodges e seu sax-alto que tomam conta do público.
Ella
Lausanne 1953 faz parte da série Jazz at the Philarmonic (JATP), criada pelo produtor Norman Granz (1918-2001), o homem responsável por reunir dois nomes grandes do jazz: Oscar Peterson (1925-2007) e Ella Fitzgerald (1917-1996). Peterson é um ás dos acordes e desfere golpes certeiros no piano. Um dos maiores do jazz em qualquer tempo, ele acompanhou a diva Ella e, até onde se sabe, os dois nunca tiveram nenhum entrevero por causa de egos ou algo assim.
Sozinhos, eles já entrariam para a história do gênero, juntos, criaram uma das colaborações mais sensacionais de que se tem notícia. Basta ouvir "Lady Be Good" para entender a dinâmica que os orientava. Ella fazendo o scatch singing (os "ba-da-ba-da-duês" que substituem as letras das canções) parece duelar com Peterson.
Mal toma fôlego de uma maratona aparentemente cansativa mas que tirava de letra , Ella engrena "Why Dont You Do Right". O ânimo do público é contagiante, aplaudindo, assobiando e gritando muito nos intervalos. Na oitava faixa, o saxofonista Lester Young entra em cena para tocar "Lester Lips In". "The Man I Love", numa versão linda, encerra o disco.




