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As "Minhas Vidas" a que Edmund White se refere no título do livro My Lives: an Autobiography, ainda sem tradução no Brasil, são aquelas vividas com pessoas que o influenciaram de modo definitivo. Não há ordem cronológica. Os capítulos são divididos a partir de experiências ao lado da mãe, de psicanalistas e de amantes – seus "loiros", brinca o autor, conhecido pelo envolvimento na causa gay.

Escritores em geral detestam rótulos. Talvez por medo de ficarem limitados a um gênero ou forma, como "romances de tribunal" ou "livros de suspense". Já White não tem problema algum em dizer que escreve "ficção gay". Ele conta que sempre trabalhou consciente do público que representa e da responsabilidade que tem perante várias pessoas que, de outra forma, não teriam voz na ficção americana.

Hoje com 66 anos, o autor de O Homem Casado, publicado no Brasil pela editora Arx, participou da 4.ª Festa Literária Internacional de Parati (Flip) e, carismático, teve facilidade para ganhar o público durante a mesa redonda de que participou ao lado da nova-iorquina Nicole Krauss no dia 13 passado.

Nascido em Cincinatti, estado de Ohio (EUA), White conta que passou duas décadas se revezando em divãs diferentes de cinco psicanalistas. "O freudismo foi minha forma favorita de intelectualidade e desenvolveu em mim um interesse no indivíduo", conta. Perto dos 30 anos de idade, ele rompeu com o pai da psicanálise e seu interesse pelo indivíduo deu lugar a uma preocupação com a coletividade. "Não foi acidente que estudei Marcel Proust, o psicólogo supremo da ficção. Alguém que não foi de forma nenhuma influenciada por Freud." A biografia Marcel Proust, escrita por White – editada pela Objetiva e hoje esgotada –, é uma referência indesviável para quem pesquisa o autor de Em Busca do Tempo Perdido.

Célebre também por ter relatado em livro a vida de outro escritor francês, Jean Genet, White admite que o conhecimento da vida de um autor, inevitavelmente, influencia a maneira como se interpreta sua obra. "Proust, por exemplo. Hoje se sabe que ele foi 100% gay e nunca teve uma experiência heterossexual em toda sua vida. Pessoas que não sabiam disso se diziam impressionadas com a sensibilidade de ele retratar o universo dessas ‘criaturas amaldiçoadas’", argumenta. Hoje, segundo White, a homossexualidade de Proust leva a compreensões de sua obra que não eram possíveis antes.

O Homem Casado (2000) é o último de uma série de quatro livros que documentam a cultura gay americana. Embora possam ser lidos de maneira independente, a quadra se fecha com Um Jovem Americano (1995), O Lindo Quarto Está Vazio (1996), A Sinfonia do Adeus (1997). Todos têm elementos autobiográficos, sobretudo o primeiro e o terceiro, cujo título se inspira na obra do compositor Haydn.

"Escrevi dois romances com títulos inspirados em obras de Haydn (o outro é Noturno para o Rei de Nápoles). Haydn escreveu uma sinfonia em que todos os músicos se levantam e vão ao poucos deixando o palco até ficar somente um violinista no final. Eu achei uma metáfora ótima para ilustrar a minha experiência de sobreviver a todos os meus amigos que morreram de aids", explica o autor.

Questionado sobre o impulso de escrever um livro de memórias mesmo depois de explorar fatos de sua vida em romances, White responde que, na autobiografia – assim como na biografia –, o único compromisso do escritor é com a verdade.

"Tenho a impressão de que ainda não contei toda a verdade", diz. Em um de seus primeiros livros, A Boy’s Own Story (1982), ele partiu de experiências pessoais para criar o protagonista. "Eu era muito precoce e, antes dos 16 anos, havia tido sexo com umas 500 pessoas. O personagem, ao contrário, era muito tímido, como a maioria dos homens gays é quando tem 12 ou 13 anos (Risos). Se eu contasse a verdade no romance, todo mundo enlouqueceria. Então tive de suavizar a realidade e transformei o personagem em um garoto comum".

Para White, a ficção precisa falar a um leitor médio e, por isso, tende a evitar excentricidades. "A biografia e a autobiografia têm de ser muito escrupulosas enquanto registros da verdade na medida em que podemos de fato registrá-la e contá-la." Ele gosta de citar Friedrich Schiller, o poeta e filósofo alemão para quem o propósito da literatura é mostrar às pessoas o que elas seriam se fossem completamente livres. "Na vida, você tem de ser legal com sua sogra, respeitar seu professor, coisas assim. A literatura é o único lugar em que você precisa ser totalmente livre." White diz isso com uma voz extremamente gentil, enfatizando o verbo "precisa".

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