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Livro

Em busca da beleza

Em Ho-ba-la-lá, o jornalista e escritor Marc Fischer cria uma divertida narrativa de detetive em torno de João Gilberto

João Gilberto, nos primórdios da bossa nova: o autor Marc Fischer descobre o lado melancólico de seu isolamento e de sua busca pela perfeição | Divulgação
João Gilberto, nos primórdios da bossa nova: o autor Marc Fischer descobre o lado melancólico de seu isolamento e de sua busca pela perfeição (Foto: Divulgação)
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"O anseio, o maldito anseio", escreve Marc Fischer. Sua angústia é por uma pessoa em Berlim, conta o narrador em Ho-ba-la-lá: À Procura de João Gilberto (Companhia das Letras, 2011. Tradução de Sergio Tellaroli). Trata-se do próprio Fischer, jornalista e escritor alemão, que vai ao Rio de Janeiro em busca do ídolo da bossa nova. No berço da música que ele chama de "coração da beleza", Fischer é "Sherlock", e tem como assistente em sua busca mirabolante o seu próprio "Watson" (trata-se, na verdade, de uma mulher, Rachel). O detetive procura João em casa, se aproxima "em círculos" por meio de entrevistas com seus poucos amigos e cria até uma perseguição de automóveis entre Ipanema e o Lebon. Tudo para tentar conhecer o ídolo. Fazê-lo, ao menos, tocar "Ho-ba-la-lá" no violão de cem anos que trouxe para a missão. É seu outro anseio.

Em meio ao tom fanfarrão que Fischer dá à saga, com uma narrativa ágil e inteligente, há uma constante melancolia que vem do narrador e de seu olhar sobre João Gilberto – sempre cantando baixinho, feito a sua voz na música que fez o autor se apaixonar (leia abaixo um trecho do livro).

Fischer traz elementos da biografia do cantor, nascido em Juazeiro, na Bahia, em 10 de junho de 1931. Vai, aliás, atrás de suas lacunas em Diamantina (MG), onde o músico morou antes de voltar ao Rio de Janeiro nos anos 50, já carregando a batida da bossa nova nos ombros. No banheiro da casa onde João tocava por horas, sentou-se e concluiu que a beleza fora inventada na privada.

Falou com Carlos Alberto Afonso, o dono de uma loja de discos no Rio. Com Miúcha, ex-mulher de João. Com o músico Marcos Valle, que lhe disse que a bossa nova foi uma "acolhida do mundo" quando este era bom. Descobriu que "Garota de Ipanema", de Tom Jobim e Vinicius, pode ter surgido do canto de um sabiá. Conheceu João Donato, Roberto Menescal, Cláudia Fassol (a jovem jornalista com quem João tem uma filha).

Mas o Sherlock de Berlim, em sua história, se deixa envolver pelo enigma – importando realmente pouco o que é rigorosamente verdadeiro e o que se trata de lenda. João não é desmistificado, mas sua excentricidade é despida de folclore e ganha algo de triste em seu isolamento fantasmagórico, sua obssessão pela perfeição, pelo que não existe.

Anseio de que também sofre Fischer, disfarçado de Sherlock na aventura. Impossível impedi-la de se adensar diante do suicídio do autor, aos 41 anos, em abril de 2011, pouco antes do lançamento de Ho-ba-la-lá na Alemanha – embora Ruy Castro, biógrafo de João Gilberto e um dos entrevistados de Fischer em sua aventura, tenha dito em sua coluna no jornal Folha de São Paulo que tal desfecho fosse imprevisível. Coincidentemente, Sherlock sabe que João muda para sempre algumas pessoas que o conhecem – como aconteceu a um produtor japonês que teve um infarto e se tornou alcoólatra depois de entrar em contato com o mito, conforme conta o livro. Fischer deixa uma bela declaração de amor à bossa nova, e mais um enigma em torno do seu maior ícone. GGGG

Serviço:Ho-ba-la-lá, de Marc Fischer. Tradução de Sergio Tellaroli. Companhia das Letras, 183 págs.. Preço médio: R$ 30.

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