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Mobilidade

Em trânsito

Como governantes estão enfrentando o aumento do número de carros nas ruas planejando as cidades no sentido contrário, ou seja, priorizando pedestres e ciclistas

 | Marcelo Elias/Gazeta do Povo
(Foto: Marcelo Elias/Gazeta do Povo)

Fatos estranhos vêm acontecendo em algumas cidades pelo mundo. Em Vauban, na Alemanha, um pequeno distrito planejado, habitado desde 2006, não há carros. A construção de garagens, ou entradas para carros, foi proibida; e até é permitido aos moradores ter automóvel, mas, para isso, o motorista precisa pagar US$ 40 mil por uma vaga, valor cobrado pelos dois estacionamentos localizados no limite do distrito. Em apenas uma rua há movimento de veículos, um bonde que leva ao centro da cidade vizinha. Em Seul, na Coreia do Sul, um viaduto de seis pistas e oito quilômetros – parecido com o Minhocão, em São Paulo – foi implodido em 2003 e deu lugar a um parque.

As duas medidas , a princípio drásticas, são sinais de uma mudança do modelo de mobilidade urbana, que, ao invés de priorizar veículos particulares, passa a investir em transporte público, pedestres e ciclistas.

Parecem ações localizadas, mas não são. Até uma década atrás, pensar no planejamento urbano da cidade era levar em consideração o transporte público e as vias para veículos particulares. Mas, atualmente, quando se fala em mobilidade urbana (que é a facilidade de deslocamento das pessoas e bens na área da cidade), a ordem é priorizar equipamentos para pedestres e ciclistas e pensar no impacto ambiental de qualquer ação. "Não adianta tentar resolver os congestionamentos abrindo viadutos, alargando ruas, porque é um trabalho que não tem fim. Em pouco tempo haverá mais carros na rua e mais necessidade de infraestrutura", diz o professor de Planejamento e Operações de Sistema de Transportes Antônio Nélson Rodrigues da Silva, da Universidade de São Paulo (USP). Ele acrescenta que os maiores problemas de trânsito das grandes cidades brasileiras foram causados justamente porque se investiu, durante muito tempo, em infraestrutura para veículos particulares. "O poder público precisa parar de facilitar a vida de quem anda de carro e dar mais facilidade para quem anda a pé ou de transporte público", diz.

Ruas apertadas

Curitiba ainda não vive uma situação de caos no trânsito, mas tem um quadro crítico. A frota cresce 6% ao ano, três vezes mais do que o crescimento da população. Hoje são 1,1 milhão de automóveis emplacados enquanto as vias, que somam 4,7 mil quilômetros, não podem aumentar de forma significativa já que o espaço urbano está ocupado quase que por inteiro.

O dilema entre transporte individual e público é um dos grandes desafios enfrentados não só por Curitiba, mas por governos e cidadãos do mundo inteiro. O desafio é apoiar o crescimento das cidades e o seu desenvolvimento econômico, fornecendo equipamentos de mobilidade urbana e, ao mesmo tempo, conseguir limitar o tráfego de veículos motorizados, já que esses têm um impacto negativo no meio ambiente e podem inviabilizar a mobilidade.

Algumas cidades optaram por limitar o uso de carros com cobrança de pedágio (como acontece em Londres e Milão) para circulação nas regiões centrais, ou instituíram o rodízio por final do número de placa (a opção de São Paulo).

Se Curitiba ainda não chegou a níveis tão altos de congestionamento, não está esperando para começar a restringir de alguma forma o uso de carros particulares. A proibição de estacionamento em vias importantes da região central, como Avenida Visconde de Guarapuava e Rua Angelo Sampaio, é um primeiro sinal. Para estacionar nessa região com menor número de vagas, o motorista tem de agregar à opção de andar de carro o pagamento do estacionamento particular. E, de acordo com o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), Cléver Almeida, essa restrição deve ser intensificada. "Espero que o curitibano não fique aguardando o caos para tomar uma atitude diferente. Podemos e devemos tratar a mobilidade como um assunto bastante sério e vital sem precisar jogar o cidadão contra a parede, obrigando-o a pagar pedágio, ou obedecendo rodízio, para que mude de atitude.", diz Almeida.

Fazer com que o usuário de carro ajude a subsidiar o transporte de massa é, na opinião do professor do departamento de Transportes da Universidade Federal do Paraná Garrone Reck, o melhor caminho para Curitiba. Ele diz que o acesso ao automóvel não é sinal negativo. "Acho bom que caia o paradigma de que carro é coisa de rico. É bacana que uma família classe D ou E tenha um carrinho para poder fazer viagens. A questão é ter consciência de que, para que todos vivam melhor, o carro deve ser usado em momentos realmente necessários", diz. A tarifa do ônibus de Curitiba hoje é subsidiada pelo próprio usuário. Quem faz trajetos mais curtos ajuda a pagar a tarifa de quem faz conexões e trechos maiores. "Por que não taxar o uso dos veículos? Se quiser andar de carro na região central, pague para isso e subsidie o custo de um transporte melhor", provoca o professor.

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