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Autor de cerca de 400 temas e um dos mais importantes compositores de cinema em atividade, Ennio Morricone chega esta semana ao Rio de Janeiro para abrir o Música em Cena — 1º Encontro Internacional de Música de Cinema. Sua apresentação está marcada para sábado (5), no Teatro Municipal, ao lado da Orquestra Petrobras Sinfônica, acompanhado de um telão que vai exibir imagens de alguns de seus principais filmes.

Em entrevista ao jornal O GLOBO, de sua casa, em Roma — com a ajuda da jornalista italiana Patrizia Giancotti, que trabalha com Morricone, e que leu para ele perguntas enviadas por e-mail, gravou a conversa e transmitiu as respostas por telefone —, o compositor lembrou que ainda não fez uma apresentação fora da Itália depois de ter recebido, este ano, um Oscar honorário pelo conjunto da obra.

O que o senhor leva em consideração antes de aceitar algum projeto de trilha sonora?

ENNIO MORRICONE: Nos últimos anos, eu trabalho sobretudo com diretores de cinema que eu já conheço e por quem tenho admiração. Assim, depois de ver um projeto, acabo aceitando o trabalho. E me entrego completamente a ele. Nunca aconteceu de eu ser apresentado para um filme, aceitado o trabalho e, depois, desistido de fazer a trilha sonora. O mais importante é a confiança artística que eu tenho no diretor.

O senhor segue alguma regra durante o trabalho de composição?

MORRICONE: Tenho regras que vêm de uma vida cotidiana feita com muita disciplina. É praticamente uma combinação entre paixão e rigor. Acordo muito cedo, faço exercícios físicos, ginástica, caminho bastante. Porque, depois, vou passar muitas horas sentado, concentrado num trabalho mental. Sou extremamente metódico com o meu trabalho.

Qual de suas composições o senhor prefere?

MORRICONE: Como responder? São muitas e por diferentes razões.

O senhor ainda se diverte com o cinema?

MORRICONE: É claro que gosto muito de cinema. Quando aceito um trabalho, tomo a atitude de ficar a serviço do filme, de trabalhar ao máximo para seu sucesso. Num trabalho, fico à disposição das indicações que vêm do diretor de cinema e me coloco totalmente a serviço de seu êxito. Mas não deixo nunca de lado o meu estilo, sempre tento procurar um caminho para me expressar na história que se passa na tela.

O senhor realmente vai trabalhar na continuação de "Os intocáveis"?

MORRICONE: Por enquanto, não. Gosto muito do Brian De Palma, ele é um dos americanos com quem mais tive satisfação em trabalhar. Mesmo assim recusei fazer a seqüência do filme porque estou trabalhando em muitos outros projetos no momento.

Depois de cinco indicações, o senhor recebeu um prêmio honorário na última cerimônia do Oscar. Qual foi a sensação?

MORRICONE: Fiquei bastante surpreso em receber o Oscar. Em algumas das outras indicações eu realmente esperava receber o prêmio. Achei que poderia ter ganhado por "A missão", por exemplo, e fiquei na expectativa, mas agora o prêmio caiu mesmo das nuvens. Não esperava e fiquei muito emocionado na cerimônia. Mas, no fim, é mais um reconhecimento do meu trabalho.

O prêmio fez alguma diferença para o senhor?

MORRICONE: O Oscar talvez tenha uma repercussão maior do que os outros prêmios. É uma sensação de que, de repente, o mundo inteiro passou a prestar a atenção em mim. Mas não o valorizo mais do que os seis David di Donatello (prêmio da Academia de Cinema Italiana), os dois Globos de Ouro, o Grammy, o Leão de Ouro em Veneza e os outros incontáveis prêmios que recebi. Também não dou uma importância maior ao mercado americano. A estatueta do Oscar fica na mesma prateleira que os outros prêmios.

O senhor vê alguma diferença entre suas trilhas e suas composições para concertos?

MORRICONE: A diferença é muito grande. É muito mais difícil como trabalho de composição pensar em todas as possibilidades de um filme. Na trilha, a música se coloca a serviço da trama do filme, que é a obra principal. Coloca-se a serviço da emoção da platéia. Geralmente, o público dos filmes é diferente e bem maior do que o público dos concertos. Quem vai a um de meus concertos decidiu, de certa forma, que gosta da minha música. No cinema, tenho a preocupação de ganhar aquele público. Quando faço composições fora do cinema, sou apenas um artista querendo me expressar. É mais livre e, em certo aspecto, mais fácil. Já uma trilha sonora é um serviço que compreende inúmeros detalhes, condicionamentos, até auto-condicionamentos. Um dever em relação ao cinema.

O senhor gosta de tocar ao vivo para uma platéia?

MORRICONE: Sim, gosto muito de tocar ao vivo. Mais pela música, menos por mim. A música é a minha melhor forma de comunicação. O público que vai a um de meus concertos possivelmente me conheceu no cinema. Na apresentação, esse público se propõe de forma aberta a conhecer mais da minha atividade artística. O concerto é o momento do reconhecimento da minha expressividade na "música absoluta".

Em 1970, o senhor gravou um disco com Chico Buarque, o "Per un pugno di samba". Como foi a gravação?

MORRICONE: Foi uma experiência sensacional. Gosto muito daquele trabalho. Na época, ele foi considerado um disco de vanguarda, muito original. Estava repleto de idéias originais. Tanto que o público italiano não estava acostumado com aquelas idéias e o disco não teve o sucesso esperado. Olhando para trás, vejo que foi uma experiência bem à frente de seu tempo.

O senhor conhece o Brasil?

MORRICONE: Será minha primeira vez no país e estou bastante animado. Mesmo não gostando muito de andar de avião, adorei a idéia pela admiração que tenho pelo Brasil. Sei que há muitos problemas sociais e, por isso, admiro ainda mais a criatividade popular, que se expressa no caldeirão musical brasileiro, no carnaval, na capacidade de colocar alegria na vida. A música brasileira sempre me soou bastante interessante. E, hoje, como não pensar em Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano Veloso ou João Gilberto, por exemplo? Todos fizeram ou fazem ótima música.

O que os fãs brasileiros podem esperar de sua apresentação?

MORRICONE: Será a primeira apresentação depois do Oscar fora da Itália. Escolhi uma programação baseada nos temas mais queridos do meu repertório cinematográfico.

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