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Especial Portugal Telecom

Ensaio sobre a ingenuidade

Nu, de Botas percorre as memórias do cronista Antonio Prata para entregar um singelo retrato da infância

Antonio Prata se confirma como um dos mais importantes nomes da nova geração de escritores brasileiros | Divulgação
Antonio Prata se confirma como um dos mais importantes nomes da nova geração de escritores brasileiros (Foto: Divulgação)
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Uma alegoria futebolística sobre arbitragem pode muito bem servir de referência para Nu, de Botas, de Antonio Prata, obra que concorre ao Prêmio Portugal Telecom 2014 na categoria Conto/Crônica: juiz bom não aparece. Se no futebol, a lógica é utilizada para árbitros que não comprometem o resultado, aqui podemos aplicar ao exímio trabalho de costura realizado por Prata, que construiu uma teia narrativa abrangente e suave.

De fato, desde Meio Intelectual, Meio de Esquerda, de 2010, o cronista paulistano figura entre os principais nomes da nova geração de escritores brasileiros. Diferentemente de seu pai, o dramaturgo e romancista Mário Prata, de carreira consolidada e contador de histórias sem concessões, interessa ao filho um outro sedimento, mais ao encontro do que está por baixo da banalidade e dos fatos mais simples do cotidiano.

O enredo de Nu, de Botas é simples como andar de bicicleta. O escritor recria as lembranças familiares e vai tecendo um relicário de alumbramentos e espantos diante dos primeiros contatos com a vida – e as suas contradições. Dividido em pequenos capítulos, há de estudos singelos sobre a alfabetização à sua relação com os tatus-bola.

"Toda reverência aos tatus-bola. Tocava-os de leve para vê-los se fechar em suas esféricas armaduras, depois os rolava para cá e para lá. Um dia, talvez influenciado pela semelhança visual e fonética entre bolas e balas, tentei comer um deles. Minha mãe (n)o(s) salvou na última hora, tirando-o da minha boca e devolvendo-o à terra ainda intacto. Não ficou registrado na crônica familiar se alguma vez, longe da supervisão materna, eu e os tatus-b(a)ola chegamos às vias de fato."

Embarcação

Prata não emula a infância como um território mágico e nostálgico, mas sim como uma superfície semântica, onde o chão dos adultos parece imenso, marítimo. Seu percurso é de um descobridor de mundo, um pequeno barco tentando entender porque a água é água. A passagem em que o narrador e um amigo resolvem ir de Itaparica à África, se enfiando nas ondas, para desespero dos pais, é exemplar do tom carinhoso da narrativa.

"Estávamos em mar aberto. A calma e o silêncio aumentaram a ansiedade: a África, que ali da praia, poderia ser apenas um sonho, era agora quase tangível. Algumas braçadas e estaríamos na savana. Quando eu contasse na escola, ninguém iria acreditar. Antes de seguirmos adiante, breve debate sobre o que fazer para nos protegermos da fauna hostil. Como nenhum de nós se lembrava de ter visto imagens dos grandes felinos do mar, parecia seguro observar leões, leopardos e panteras de dentro d’água."

E são estes pequenos sustos, somados à precisão de um narrador leve e bem humorado, que fazem de Nu, de Botas uma considerável expansão da crônica. É como se o ensaísta Montaigne encontrasse Rubem Braga e os dois saíssem para observar o desentendimento do mundo pela ótica de uma criança. Não é pouco.

Vencedores devem ser conhecidos neste mês

Dividido em três categorias – Romance, Poesia, Conto ou Crônica – o Prêmio Portugal Telecom é um dos mais importantes do circuito literário. Realizado em três etapas, o conselho editorial escolhe, ao fim do ano, três livros entre doze finalistas e premia-os com a bagatela de R$ 50 mil. Após o resultado, os jurados se reúnem novamente para escolher o Grande Prêmio, que dá mais R$ 50 mil ao vencedor geral. Ambos resultados saem ainda em novembro.

Criado em 2003, a premiação se divide, em importância, com o Prêmio Jabuti, oferecido pela Academia Brasileira de Letras (ABL), o Prêmio Camões, conferido de dois em dois anos a autores nacionais, e o Prêmio Governo de Minas Gerais de Literatura.

Em onze anos, 32 obras foram premiadas, sendo 18 romances, oito livros de contos e seis de poesia. Dois paranaenses já foram laureados. Em 2008, Cristovão Tezza e seu O Filho Eterno venceram na categoria Romance. O outro (recorrente) vitorioso é Dalton Trevisan, que já ganhou com as obras O Anão e a Ninfeta (2012), Macho Não Ganha Flor (2007) e Pico na Veia, de 2003.

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