Método
Veja a diferença entre o tempo de preparo de um pão feito com fermentação natural e outro elaborado de forma convencional:
Antigo
Isca: É o pré-fermento, de 3 a 5 horas para ficar pronto.
Massa Madre: Desenvolvimento e fermentação. Processo de 18 a 20 horas.
Receita Final: Dá origem ao produto final. De 3 a 15 horas, dependendo do tipo de pão.
Moderno
Pulam-se as etapas de fermentação. Todos os ingredientes são misturados para a massa crescer. Leva de 3 a 12 horas.
Fique de olho
Casca e crocância são indicativos de qualidade
Na hora de degustar um bom pão, fique atento para algumas características que "entregam" se o produto é bom ou ruim. O formato é o primeiro: Oscar Luzardo, da La Panoteca,fala da "casca amiga", ou seja, a cobertura densa é um bom indicativo.
Verifique ainda a crocância, densidade e umidade, para saber se está fresco. O gosto ideal é um equilíbrio entre o doce e o salgado, e o ácido e o amargo. Além disso, prefira sempre um produto artesanal, com menos aditivos químicos.
"Não há nada mais positivo do que o pão." A frase, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, faz sentido: o alimento, além de se confundir com nossa história, sempre teve relação com o sagrado, com a partilha. Em cada cultura, ele está presente: seja o chapati indiano, o brioche francês ou o pita árabe. Nos últimos anos, entretanto, o pão foi alçado a uma categoria de vilão, teoricamente responsável por alguns os males de saúde contemporâneos. Nas redes sociais, nos perfis fitness do Instagram, o pão parece ter se transformado em um inimigo. Será o fim da média com pão na chapa?
O que levou o pão e, mais amplamente, o trigo , a responsável principal da epidemia de obesidade que vivemos foi a popularização das dietas hiperprotéicas, principalmente, Atkins e Dukan mais recentemente, cuja base é de carnes, ovos e laticínios. A "moda" parece recente, mas não é: desde a segunda metade do século 19, explica a jornalista e pesquisadora do grupo de História de Alimentação da Universidade Federal do Paraná, Sabrina Demozzi, médicos como o inglês William Banting já orientavam seus pacientes para consumir menos carboidratos.
"O que é novo nessa perseguição aos pães e às massas são as celebridades declarando que não comem mais esses alimentos, sempre com o viés da busca por um corpo ideal. A mídia não provoca um debate sobre alimentação, mas foca principalmente nas dietas restritivas", diz Sabrina. A nutricionista Marina Nogueira, autora do blog "Não Conto Calorias", corrobora o raciocínio. Entre seus pacientes, surge sempre a ideia de que, para perder peso, é necessário cortar tudo o que se gosta. "Só que, quando tiramos algo essencial da alimentação, como os carboidratos, buscamos uma compensação depois."
Outro fator para o pão ser colocado na mira é o glúten, mistura de proteínas que se encontram naturalmente no endosperma da semente do trigo, que pode causar alergia ou intolerância (doença celíaca). O avanço do diagnóstico fez com que muitos descobrissem que os desconfortos que sentiam vinham do trigo. No Brasil, sucessos editoriais como o livro Barriga de Trigo (Martins Fontes), do cardiologista norte-americano William Davis, também contribuíram para popularizar o assunto. Assim como o francês Pierre Dukan, que emagreceu a princesa Kate Middleton rapidamente no pré-casamento real e ganhou uma legião de fãs, Davis também conquistou sua parcela de seguidores no país.
Lançado no Brasil em julho de 2013, a obra (que vendeu mais de 70 mil exemplares), parte de uma experiência pessoal do próprio Davis, que corria vários quilômetros por dia, tinha uma dieta baseada em grãos integrais e continuava acima do peso. Ele questiona o porquê de, hoje, fazermos muito mais exercícios físicos e continuarmos com sobrepeso, ou obesos. Para o autor, a culpa de tudo é o trigo.
Ao tirar o grão do cardápio, Davis perdeu peso, melhorou seus exames e percebeu que o mesmo ocorreu com os seus pacientes, que, além dos quilos a menos, resolveram seus problemas intestinais, diminuíram o colesterol e a glicose, e ficaram com a pele e a disposição tinindo.
Segundo a tese do médico, todo esse benefício acontece porque o trigo não é mais o mesmo que os nossos antepassados moíam para fazer o pão nos últimos 50 anos, as mudanças genéticas "drásticas", diz ele no livro, mudaram o código genético do grão. A hibridização e os cruzamentos propositais da indústria, elaborados para produzir em larga escala e baratear a produção, o transformaram numa má opção, pois deixaram o trigo com muito menos proteína e mais carboidrato. Isso aumentou o índice glicêmico do grão, relacionado com o nível circulante de açúcar no sangue. Além disso, salienta Davis, a criação de novas linhagens, como o trigo anão (que evitam a envergadura da planta e facilitam a colheita), foram produzidos sem garantia de segurança para os humanos.
A tese de Davis "absolutamente não faz sentido" para a pesquisadora da área de qualidade da Embrapa Trigo, Eliana Guarienti. "Nenhum cruzamento artificial tornou o trigo nocivo, é mera especulação. O que os melhoristas fazem é imitar a natureza, onde também ocorre um cruzamento, mas de forma mais lenta.", explica ela. A nutricionista Marina Nogueira diz que os estudos usados por Davis no livro são "mal controlados e parciais."
Excesso
Para a nutricionista funcional Juliana Trevilini, cujo foco de trabalho são as alergias e intolerâncias alimentares, algumas afirmações do autor podem, sim, fazer sentido. O glúten funciona como uma espécie de "cola", que dá elasticidade à massa. A nutricionista fala que a exposição da pessoa ainda bebê aos alimentos com potencial alergênico alto (como trigo, leite bovino e clara de ovo), vai "machucando" o intestino e as junções intercelulares do órgão, que evitam a permeação das macromoléculas mais alergênicas (ou seja, é o sistema de proteção do intestino).
Logo, o problema não é o pão e o trigo em si e sim o excesso e o que Juliana define como monotonia alimentar. Essa superexposição faz com que cresça a probabilidade de se desenvolver alergias e intolerâncias.
O segredo, então, não é cortar o pão e o trigo, tampouco "colocar todos os alimentos industrializados na cruz", acredita Marina Nogueira. Leia os rótulos, prefira os integrais e com poucos aditivos químicos. Juliana também orienta que exista uma rotatividade na alimentação. Ao invés do pão todas as manhãs, é interessante intercalar: fruta com aveia, tapioca, e assim por diante. "Devemos consumir o mínimo de industrializados e preferir uma alimentação íntegra, com muitas frutas e vegetais, o que nutre o organismo e nos ajuda a eliminar toxinas", ensina a nutricionista. "O trigo não é o mal do século, e você não precisa excluir o trigo se não tem nenhuma doença ou alergia. Nenhum alimento é o principal vilão ou salvador. Tudo é um equilíbrio", crê Juliana.
Em tempos corridos, paciência é o segredo para um bom pãozinho
Quando foi estudar sobre fermentação para um dos capítulos de Cozinhar Uma História Natural da Transformação, o autor Michael Pollan pesquisou a fundo o método de diversas padarias artesanais nos Estados Unidos. Chegou ao Tartine Bread do famoso padeiro Chad Robertson. Frustrou-se diversas vezes ao não conseguir a massa perfeita do fermento. Depois de muitas tentativas, teve êxito, e a atividade, segundo ele, é uma das mais "terapêuticas" dentro da cozinha. Afinal, é necessário tempo de espera.
Foi o tempo, ou melhor, a falta dele, que fez o padeiro Oscar Luzardo começar a fazer pão. O uruguaio radicado no Brasil trabalhou por anos em multinacionais. Ficou estressado, descuidou da alimentação, ganhou peso e perdeu saúde. Resolveu deixar o bom emprego, veio ao Brasil com a mulher, Claudine Botelho, e começou fazer pão, pois não gostava da qualidade do que encontrava por aqui. O hobby virou negócio, a La Panoteca, que trabalha no sistema de slow bakery: todos os pães são feitos com fermentação natural e poucos ingredientes. A produção não é em massa, e a casa abre somente quatro horas por dia (das 16h às 20 horas).
A padaria não é só um negócio: Luzardo (que está escrevendo um livro sobre o pão) gosta de estimular os seus clientes assim como Pollan a voltarem para a cozinha. "É uma questão de harmonia. Faço os pães que eu como. Ganho menos dinheiro, viajo menos, mas tenho tempo para fazer exercícios, passear, ficar com a minha esposa. E o dinheiro não nos traz isso", crê ele. No espaço, se leem frases que podem funcionar como mantras: "Aqui, só quem corre é o tempo". O slow serve para a compra também: quem chega com fome, ganha um pedaço para beliscar, acalmar a fome e consumir de forma consciente. Assim, ninguém compra o desnecessário, e sobra para o vizinho que ainda não comprou o pão.
Em outra esfera, está a tradicional Mercearia Viana. Quem passa pela rua Cruz Machado observa a fila que se forma em frente a padaria centenária, faça chuva ou faça sol. Com exceção do "caseirão", receita de família feita com fermento de batatinha, os pães não são fermentados lentamente afinal, são 1,5 mil broas por dia, fora os 5 mil francesinhos. Entretanto, a família Veronese, que cuida do negócio há 47 anos, prioriza os elementos naturais (os pães não têm nenhum aditivo alimentar, ao contrário dos industrializados), e sempre oferece pão quente de hora em hora, e com preços acessíveis.
Administradora da Viana, Thaylline Veronese, 26 anos, foi criada no meio dos pães e balcões de atendimento. Acredita que essa história de que o alimento engorda é um mito. "Muitos pães cabem na dieta. Não é o pão que engorda, é a pessoa", brinca ela, também a favor do equilíbrio. "Se a pessoa come de uma forma balanceada, não tem problema. Temos que saber lidar com o pão."
Integral x branco
É um mantra entre os nutricionistas: prefira o trigo integral. Ele preserva o farelo e o gérmen do grão, o que o deixa mais nutritivo. O produto íntegro, hoje procurado por um grande número de pessoas, foi rejeitado por séculos, conforme explica Pollan em seu livro. Até o fim do século 19, a farinha branca era considerada melhor e mais saudável, pois simbolizava a pureza em tempos de disseminação de doenças. O sabor também melhorava: com a farinha branca, o pão ficava mais macio e doce.
As maravilhas só não casavam com a saúde e, com a ampliação dos cilindros de moagem a partir de 1880, as populações que dependiam do pão branco começaram a adoecer. A solução da indústria, conta o autor, foi enriquecer o produto com vitaminas, uma medida simplista que não resolveu totalmente o problema.
O fato é que a farinha branca continua presente, e saborosa, mesmo sendo menos saudável. Entretanto, Pollan nos dá uma luz: até no caso dos pães brancos, os ácidos orgânicos da fermentação lenta parecem desacelerar a absorção dos açúcares da farinha pelo organismo, reduzindo os picos de insulina no sangue quando comemos.
Com fermentação natural ou não, o ponto principal para consumirmos um bom pão é fugir das milhares de variedades empacotadas nos corredores do supermercado, sugere a jornalista e pesquisadora do grupo de História de Alimentação da Universidade Federal do Paraná, Sabrina Demozzi. "Temos ótimos pães de produtores locais e da região metropolitana. Você valoriza a cultura local e foge um pouco da industrialização excessiva."
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