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Cinema

Erros e acertos de Tropa de Elite

Reportagem conversa com policiais do COE para saber o que pensam do filme do ano

Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas (Foto: Arquivo Gazeta do Povo)

Um homem e uma mulher têm uma discussão barulhenta demais para a vizinhança ignorar. Alguém vai pegar o telefone e discar 190. Acionada, a Polícia Militar deve mandar uma viatura da sua tropa regular para o local.

Chegando lá, os policiais descobrem que o homem está armado e ameaça a vida da mulher (poderia ser o contrário, a mulher armada ameaçando o homem, mas, para o exemplo, tanto faz). Então eles chamam o RONE (Rondas Ostensivas de Natureza Especial), parte da Companhia de Polícia de Choque.

Acontece que o sujeito armado vê que arrumou um problemão e, no desespero, pega a mulher como refém, fazendo exigências para se safar da situação. É quando a PM chama o COE (Comandos e Operações Especiais). É aqui que você pode pensar: "Eu não gostaria de ser o homem do exemplo".

O COE desempenha, no Paraná, papel semelhante ao agora célebre BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais) no Rio de Janeiro. Os dois são inspirados nas unidades de armas e táticas especiais, as S.W.A.T., criadas nos Estados Unidos na década de 1960.

A reportagem foi até o quartel-general da PM na manhã da última quinta-feira para conversar com oficiais que fazem parte da "tropa de elite" paranaense. A idéia era simples: descobrir o que eles acharam do filme-fenômeno Tropa de Elite, de José Padilha.

A conversa começou com os tenentes Antonio Cláudio Cruz, de 32 anos, e Ilson de Oliveira Júnior, de 31. Usando os uniformes camuflados e as boinas pretas que caracterizam os integrantes do COE, eles concordaram que o longa-metragem mais comentado do cinema brasileiro nos últimos cinco anos – Cidade de Deus é de 2002 – é, antes de qualquer coisa, um filmão. Do tipo que não deve nada às melhores produções do gênero.

Quando o major Chehade Elias Geha, de 44 anos, comandante da Polícia de Choque (sua passagem pelo COE foi em meados dos anos 90), chegou para participar da entrevista, o grupo começava a dissecar o filme.

Geha é formado em Direito, enquanto Cruz e Oliveira são acadêmicos. Questionados sobre o grau de veracidade do filme, todos ressaltam a tendência do roteiro, escrito por Bráulio Mantovani, Rodrigo Pimentel e Padilha, a exagerar várias situações. Da corrupção policial ao vício em drogas da classe média. Afinal, é cinema de ficção, apesar de ser inspirado em eventos reais. "É como se toda a classe média carioca fosse viciada e toda a polícia, corrupta", comenta Geha.

Na faculdade, os três já viveram situações semelhantes à do Matias, personagem de André Ramiro. Na história, ele bate de frente com seus colegas de classe quando resolve defender a polícia numa discussão em que ninguém tem problema de avacalhar a polícia.

Vida pessoal

Exageros à parte, a seqüência do treinamento dado pelo Capitão Nascimento (Wagner Moura) é uma das que mais geram identificação. A pressão da família – no filme, a mulher do protagonista o abandona – também é muito próxima da realidade de qualquer policial de elite. No Rio de Janeiro e fora dele. "Nos últimos dois meses, eu voltei para casa cinco vezes", calcula Oliveira.

Os policiais apontam que "tecnicamente", o filme de Padilha é quase perfeito. Um dos poucos erros factuais – supondo que exista mais de um – aparece no final, quando um personagem pega uma espingarda calibre 12, aponta para o inimigo e só então a carrega. "Na prática, durante uma ação, ele jamais deveria estar descarregada", explica Cruz.

Para os oficiais, a melhor efeito que Tropa de Elite pode ter sobre o público é o de levar à reflexão. "O filme mostra que é preciso repensar a sociedade, que alguma coisa está errada", diz Cruz.

Geha indica que outra qualidade da produção é retratar a pressão sofrida pelos policiais, sujeitos a todo tipo de trauma psicológico. No início da semana passada, correu a notícia de que um policial teria se matado ao final de uma sessão de Tropa de Elite no Recife. Embora a versão do suicídio não tenha sido confirmada, se discute em que medida o filme pode teria sido uma influência.

Se pode levar à discussão sobre uma sociedade combalida, o longa-metragem pode também – na opinião do major e dos tenentes – disseminar a visão de que a polícia é, em regra, violenta e corrupta.

De certa forma, Tropa de Elite remete a um policial lendário do cinema americano, o Dirty Harry, de Clint Eastwood, famoso pela frase "Make my day" ("Faça o meu dia" em tradução literal que, na prática, significava algo como "Vou adorar ter um motivo para usar a minha Magnum 44"). Ele matava bandidos com a mesma desenvoltura que se espanta uma mosca.

Quando Perseguidor Implacável (1971), o primeiro de quatro filmes dedicados ao Dirty Harry, estreou nos Estados Unidos, parte da crítica não hesitou em taxá-lo de fascista. Exatamente a acusação (uma das) feitas contra Padilha.

No final das contas, o problema parece ser com um tanto do público, que se sente incomodado em ver determinadas situações retratadas no cinema. Porque se sentem mal ou, ainda pior, porque se sentem bem.

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