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 | Poty/ Acervo João Lazzarotto
| Foto: Poty/ Acervo João Lazzarotto

Uma “cidade torta” não é exatamente o que nos vem à cabeça quando se fala de Curitiba, por décadas propagada como uma capital modelo para o Brasil e o mundo, cuidada para que seja vista e consumida.

“Ecológica”, “joia rara”, “sustentável” são algumas das alcunhas que recebeu ao longo das décadas, sobretudo nos anos 1990, quando o planejamento urbano e as novas soluções de transporte coletivo tiveram um investimento – e propaganda – amplos.

Nossos locais e personagens atravessados sempre foram escanteados por essa promoção, e até por nós mesmos, moradores.

Mesmo na crítica, sempre resta uma ponta de orgulho em dizer que, comparada com outras capitais, Curitiba tem mais “qualidade”, mesmo que para isso a gente precise fechar os olhos para uma dinâmica sombria que a permeia.

Dalton Trevisan é o maior contestador desse mito. Em suas narrativas vai jogando todos esses elogios por terra – sua visão de Curitiba é realista, mesmo que o escritor reconheça que aqui é seu lar.

Em Busca de Curitiba Perdida

Curitiba, que não tem pinheiros, esta Curitiba eu viajo. Curitiba, onde o céu azul não é azul, Curitiba que viajo. Não a Curitiba para inglês ver, Curitiba me viaja

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Prefere uma capital sem flores, sem pinheiros e monumentos, e explora cantos quase esquecidos. Prefere os andarilhos, os moradores angustiados castigados pela dor e mazelas.

“A cidade que emerge nos contos de Dalton é dialética”, diz o mestre em Letras pela Universidade Estadual do Centro Oeste (Unicentro) Jailton Gonçalves Prates, autor do artigo “Flanar e Reler Curitiba: O Olhar Derrisor de Dalton Trevisan”. “É um espaço que não tem foro privilegiado, onde os fatos insignificantes ganham destaque. Transitoriedade, morte, modernidade e saudade entram em diálogo e em choque, e revelam um espaço plural”, explica o pesquisador.

Não são exatamente os espaços que ele descreve (como o Passeio Público, por exemplo) que importam, e sim uma “aura” que Dalton imprimiu a Curitiba: sombria, fria, quieta.

Foram essas as impressões que o fotógrafo Nego Miranda teve ao ler a obra do autor e ao fazer fotos inspiradas em vários contos, reunidas no livro “A Eterna Solidão de um Vampiro”, lançado em 2010.

Fruto de quatro anos de trabalho, nele o fotógrafo resolveu documentar a cidade de Dalton por acreditar que o escritor “é a pessoa que melhor entende o porão da alma curitibana”.

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A região central foi bastante explorada por Miranda, mas ele se preocupou principalmente em registrar aspectos que transmitem a energia da literatura do escritor, como a neblina e a luz da madrugada. “Saía para fotografas às quatro da manhã”, diz.

Logo depois do lançamento, Miranda recebeu um e-mail de uma assistente de Dalton com elogios – ele autorizou que a obra tivesse trechos de alguns de seus textos.

“Anos depois, encontrei Dalton na Livraria do Chain. Não resisti e fui falar com ele, que só me pediu mais alguns livros. Nunca o quis cercar, sempre o respeitei”, fala o fotógrafo, que detecta outro aspecto forte na Curitiba de Dalton: a solidão.

“Nas fotos com pessoas, sempre fotografei uma só, justamente para remeter ao isolamento, que é um tema que aparece muito nos seus contos.”

Personagens

Para Jailton, Dalton explora mais aqueles que vivem em Curitiba, do que Curitiba propriamente dita.

Bêbados, prostitutas, travestis, vendedores, andarilhos, enfim, são esses sujeitos reais que ajudam a retratar uma capital não idealizada.

“A partir dessas pessoas, são colocados os problemas de ordem social, econômica e moral, pois a cidade se destrói e reconstrói a partir de inúmeras possibilidades. Essa cidade marginal nem sempre é benquista, mas sabemos que ela existe”, diz o pesquisador.

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