
Há dez anos, o cineasta Eduardo Baggio pesquisava no Arquivo Público para um trabalho quando se deparou com uma manchete em um jornal: "Órfãos de pais vivos." Curioso, desviou do foco e descobriu uma das facetas das colônias para portadores de hanseníase então chamados de leprosos criadas no Brasil nas décadas de 1930 e 1940. Além da internação compulsória, muitas mulheres foram separadas de seus filhos, que acabaram adotados por outras pessoas com o aval da lei. Baggio mergulhou na história. O resultado é o documentário Santa Teresa, que estreia hoje no Festival Olhar de Cinema, dentro da mostra Mirada Paranaense.
"Os filhos eram retirados e levados para uma espécie de educandário e, por vezes, adotados por outras famílias, mesmo estando muito próximos das crianças. Essa é uma das situações drásticas dessa política higienista no tratamento da hanseníase que existiu no Brasil e no mundo", conta o cineasta, sobre a então colônia que dá nome ao filme, localizada na cidade de São Pedro de Alcântara, na região metropolitana de Florianópolis.
O documentário, seu trabalho de doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo, foi feito com recursos próprios e equipe reduzida além dele, Maurício Baggio ficou responsável pela direção de fotografia e Demian Garcia pelo som. As jornalistas Milena Emilião e Natália Tereza o auxiliaram na pesquisa.
Baggio centrou a história no hoje Hospital Santa Teresa, especializado em tratamentos ligados a doenças de pele, e que mantém remanescentes da internação compulsória das décadas passadas. Uma das personagens do filme, que tem 84 anos, vive no local desde os 14. "Ela não sabe viver fora de lá, e hoje isso é um direito. O estado tem a obrigação de manter aqueles que optam por ficar. Perto de 30 pessoas são remanescentes", relata.
O cineasta buscou locais em São Paulo e Minas Gerais que ainda abrigam esses pacientes, mas não conseguiu autorização para filmar. "Tive muitas negativas. Muitos estados não querem falar sobre essas colônias, porque elas geram custo e não são um investimento de saúde do qual se faz propaganda. É a manutenção do que foi feito no passado, e não sabem se foi correto ou não."
Discussão
A intenção do cineasta não foi a de esclarecer as histórias. "Não é a explicação de tudo, é uma ponta para que as pessoas saibam que elas ainda estão nesses lugares", diz Baggio, que não quer julgar a medida tomada na época. "Entendo que quando se descobriu que a doença era contagiosa, o estado e a sociedade buscaram uma saída para a hanseníase. Mas é importante ver as sequelas dessa internação compulsória na vida dessas pessoas."
O cineasta também pretende que o documentário sirva para refletir sobre as políticas de isolamento, assunto polêmico no país, principalmente em relação aos usuários de crack. "No caso da hanseníase, foi feito em nome da saúde pública, e acabou sendo muito drástico com a vida das pessoas", frisa.
Mirada
Santa Teresa será o primeiro filme exibido dentro da mostra Mirada Paranaense, que proporciona para a produção local o mesmo espaço e horários nobres de outras mostras. Além do documentário de Baggio (um longa-metragem), curtas-metragens de cineastas locais serão exibidos a partir de amanhã em sessões com blocos de cinco filmes.
Além disso, filmes premiados de produtores paranaense, como Aquilo Que Fazemos com as Nossas Desgraças, de Arthur Tuoto, e A Que Deve a Honra da Ilustre Visita Este Simples Marquês?, de Rafael Urban e Terence Keller, fazem parte das mostras Outros Olhares Longa e Olhar Itinerante, respectivamente.






