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Provido de criatividade renovável, Abujamra é um dos artistas mais ecléticos de sua geração: compõe, produz, atua e brinca | Priscila Forone/ Gazeta do Povo
Provido de criatividade renovável, Abujamra é um dos artistas mais ecléticos de sua geração: compõe, produz, atua e brinca| Foto: Priscila Forone/ Gazeta do Povo

Sozinho ao canto de um café em Curitiba, André Abujamra olhava para a rua enquanto o primeiro gole do capuccino recém-chegado marcava internamente sua xícara, inclinada no pires encoberto por sachês de adoçante. Frequëntar os shows do multiartista – ou deparar-se com suas idéias mirabolantes – está mais fácil. O paulista, filho do ator e diretor teatral Antônio Abujamra, está morando em um apartamentozinho perto do Parque Tanguá há cerca de um ano e meio.

O motivo para largar São Paulo, "o caos que ama", ele viu pela primeira vez há 12 meses. Foi no lançamento de Infinito de Pé, primeiro álbum-solo do músico de 43 anos. A cena deu-se no Teatro da Caixa. "Uma amiga me apresentou a Melina Mulanzani, vocalista do Mundaréu. Nos apaixonamos perdidamente", disse Abujamra, sem titubear: "Vim para cá por causa do amor".

Com o capuccino pela metade, vieram as duas únicas reclamações em relação à nova cidade: o trânsito e as primeiras impressões do comportamento do curitibano. "Dirigem muito mal e não te dão passagem", alfineta. "Sei que esse jeito fechado não é má educação, é característica mesmo. Incomoda, mas já estou me acostumando", explicou um típico cidadão do mundo.

O sujeito que ouvia discos russos trazidos pelo pai – "referência exigente" – e que morou por alguns anos nos Estados Unidos, esteve na África em maio, convidado para um festival. A experiência não é nova. Karnak, banda que Abujamra liderou por boa parte da década de 1990, teve maior reconhecimento fora do Brasil. Antes disso, o "brasileiro, árabe, italiano e negão" havia fincado um marco na música experimental brasileira.

O duo Mulheres Negras, formado por Abujamra e Maurício Peeira, rompera muitos dos conceitos impostos desde a Tropicália.

O paulistano também é reconhecido por seu trabalho no cinema. Abu criou, entre outras, trilhas para Carlota Joaquina (1995), Castelo Rá-Tim-Bum (1999) e Carandiru (2002), filme dirigido por Hector Babenco. "Ele (Babenco) é muito exigente e, na época, não sabia exatamente o que queria", relembrou o artista, que carrega parte da carreira junto a si. "Tenho um estúdio portátil nas costas. Faço música e trilhas para comerciais em qualquer lugar do mundo em que eu esteja", disse, referindo-se ao moderno laptop, fiel parceiro de viagens.

De 2005 para cá, drásticas mudanças para o menino que começou a fazer barulho tocando "bateria" na máquina de escrever do pai. Em três anos, foram 76 quilos a menos. Operação no estômago e dieta providencial para compor, gravar, produzir e divulgar Retransformafrikando, seu segundo disco-solo. "O primeiro (O Infinito de Pé, de 2004) é um disco supercabeça. Retransformafrikando é sobre o meu renascimento", explica o músico.

E a nova cidade tem servido de combustível aditivado para a mente que não pára de borbulhar. Abujamra trabalha em parceria de Sérgio Albach (clarinetista curitibano) e João Egashira (co-criador do Clube do Choro de Curitiba) em projetos paralelos, ao mesmo tempo em que se dedica ao seu terceiro álbum-solo. Mafaro, que quer dizer "alegria" na língua do Zimbábue. "Está 80% pronto e deve ser lançado no começo do ano que vem", anuncia , revelando outro segredo: "O Karnak voltou. Já temos um novo disco quase pronto. O difícil mesmo é reunir a banda toda", explicou o artista, alegre, mas desacreditado.

"Estou de saco cheio do pop no Brasil. Depois de tantos anos na estrada, não consigo fazer shows, não consigo vender discos. Não gosto de reclamar da vida, mas estou desistindo de lutar. Não vou me esforçar mais para tocar aqui", desabafa, apoiando-se na mesa e direcionando os imóveis olhos azuis a todos os lugares possíveis.

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