
Na segunda metade da década de 70, surge primeiro na Europa e, depois, nos Estados Unidos, o movimento punk, que rompeu o distanciamento entre o público e os músicos, colocando em prática a filosofia do do it yourself, ou "faça você mesmo", segunda a qual qualquer um poderia se tornar artista. Ironicamente, uma das bandas que mais sobressaíram nesse período, o Sex Pistols, não surgiu espontaneamente: foi montada sob a condução do empresário Malcolm McLaren e assinou contrato em 1976 com uma das maiores gravadoras do mundo, a EMI.
Depois de 31 anos, os também ingleses do Radiohead lançaram, em 2007, o álbum In Rainbows, sem intermédio da indústria e disponibilizando o álbum no site da banda para download. O preço era definido pelo comprador, que podia escolher pagar o que bem entendesse, ou até pagar nada. Na época, em poucos dias, foram baixadas mais de 1 milhão de cópias do disco.
Muito antes do Radiohead, o surgimento de programas de compartilhamento de músicas como o Napster, em 1999, já colocaram em xeque a indústria fonográfica, e muito se discutiu e ainda se questiona sobre direitos de artistas/gravadoras e a capacidade da indústria cultural de decidir o que as pessoas vão consumir.
Atualmente, são as redes sociais que abrigam os grandes "fenômenos" de sucesso. Qualquer banda (músico, cantor, ou cineasta) hoje pode alcançar um público em escala mundial em poucas semanas via sites como My Space e YouTube, sem produções grandiosas, com o "selo" de aprovação de uma gravadora multinacional, de um estúdio cinematográfico e/ou de algum grande veículo de imprensa. Só para ficar em poucos exemplos, artistas como os britânicos Arctic Monkeys, Lily Allen, Adele e os norte-americanos Panic! at The Disco e a brasileira Mallu Magalhães utilizaram a internet para impulsionar suas carreiras o público, por sua vez, os conheceu por meio da rede. Essa nova maneira de produção artística deixa a pergunta no ar: estamos dentro de uma nova dinâmica da indústria cultural?
"Estamos na era da convergência, em que os meios de comunicação permitem construir uma inteligência coletiva, conceito colocado pelo autor Henry Jenkins", acredita a professora , Karina Belotti, do departamento de História da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutora em História Social pela Unicamp. A internet se tornou uma ampla vitrine para os artistas e para o público, que pode selecionar de cultura popular à chamada "alta cultura", usando poucos cliques nas redes sociais e gerando redes de colaboração on-line. "Antes, quando um artista buscava se aliar à indústria, isso significava ter de passar pelo crivo de aprovação de uma gravadora, que iria decidir se o trabalho artístico era de interesse comercial. Agora, esse poder é deslocado para o público e, portanto, essa intermediação da indústria cultural desaparece", diz a professora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP) e doutora em Antropologia Social Sandra Rubia Silva. Segundo ela, passamos da lógica da emissão de "um para muitos" para "muitos para muitos".
As amplas opções possibilitadas pelos artistas, cada vez mais independentes, fez com que o leitor, o ouvinte ou o espectador não ocupem somente um lugar passivo para se tornarem, em alguma medida, produtores (com sugestões em blogs de literatura ou divulgando a banda do amigo na rede, por exemplo) e distribuidores, crê o professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e doutor em Sociologia pela Universidade Paris V André Lemos. "Quem estava reprimido pela indústria editorial, por exemplo, pode publicar sem custos na internet. Isso criou uma sinergia e uma complexidade maior, já que a rede tem alcance planetário."
A crítica de Theodor Adorno e Max Horkheimer em A Dialética do Esclarecimento, que pensava em uma produção industrial de produtos culturais e trazia a ideia da massificação segundo o entendimento da professora do programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR Kelly Prudencio não cabe mais na indústria cultural de hoje. "Difícil transferir essa ideia para a atualidade, ela não deixa saída para pensar a produção cultural atual. Walter Benjamim, ao falar de cinema na mesma época, tinha uma ideia mais próxima, pois via vantagens na massificação. Hoje o caminho é mais individualizado. Ainda escolhemos o que nos oferecem, mas a diferença é que há mais opções."
André Lemos costuma brincar que os teóricos da Escola de Frankfurt aprovariam a internet. "Eles combatiam a ideia homogeneizante. O que vemos hoje é um processo de heterogeneidade maior."
Crítica
Já o professor de Teoria Literária da Unicamp e um dos organizadores do livro A Indústria Cultural Hoje (Boitempo Editorial), Fábio Durão, frisa que as ideias desses autores estão mais atuais do que nunca. "Se, por um lado, há diversos acontecimentos que Adorno e Horkheimer não tomaram conhecimento, como a digitalização do mundo, por outro, a lógica subjacente do capitalismo, que leva à crescente mistura de indústria e cultura, é mais forte do que nunca. Não é apenas o artefato da cultura submetido completamente ao princípio do lucro; as próprias mercadorias mais banais se revestem de universos de sentido próprio."
A internet, então, seria mais um produto da indústria cultural? O jornalista e professor da Faculdade Cásper Líbero Caio Tulio Costa afirma que sim. "Nada indica que ela (a internet) tenha feito romper os mecanismos da indústria, mesmo trazendo poder de mídia a indivíduos."



