
Na infância, lembro-me que minha mãe, uma mulher com certa educação e poucos recursos, adorava catar móveis e outros objetos que eram deixados para serem levados pelo lixeiro. Apesar de ainda ser criança, eu sentia um tiquinho de vergonha. Ficou muito forte na minha memória a imagem dela trabalhando caprichosamente nessas peças para que elas fossem incorporadas na nossa casa. Minha cama por muitos anos teve a cabeceira forrada de um papel rosa estampado. Se fechar os olhos, sou capaz de sentir o cheiro da cola Tenaz (naquela época, o papel contact era artigo de luxo) e a textura da superfície da guarda daquela cama.
Trinta anos se passaram e hoje consigo ver o que era feito por minha mãe de outra forma. O que ela fazia era reaproveitar e customizar, dois conceitos bastante difundidos atualmente e que fazem parte de uma evolução do processo de produção de tudo o que entra em nossas vidas. Como o artesanal está colocado na sociedade atual parece ser uma questão vinculada à educação e ao poder econômico, ou seja, daqueles que reconhecem a diferenciação impressa pela habilidade das mãos e, paralelamente, dos que têm capital para gastar em peças que têm um trabalho manual e intelectual associados.
No início da história, os produtos e artefatos eram forjados pelas mãos do homem. A industrialização deu seus primeiros passos já com o artesanato. Senhores de ofício contratavam trabalhadores para uma produção modesta que abastecia o mercado. Até que se sentiu a necessidade de aprimorar a qualidade e a quantidade de produção e vieram as máquinas. "Surge a exploração da mais valia, como dizia Karl Marx, produzir mais em menos tempo", diz Elton Barz, cientista político e historiador da Casa da Memória. E, então, o feito à mão se separa consensualmente do industrializado.
Assim como as engrenagens das máquinas, a história também se movimenta em ciclos. E o processo de produção em massa desencadeado pela Revolução Industrial já há algumas décadas foi colocado em xeque e, consequentemente, puxou a revalorização do feito à mão como proposta de consumo. "Nas décadas de 60 e 70, a contracultura pregava um retorno à simplicidade. O homos faber (homem fabricante) é o homem que pensa e o homem que faz ao mesmo tempo. A questão básica é o prazer, associado às sociedades alternativas, que chega ao artesanato e à agricultura", explica Barz.
O conceito de desenho (design) surge como prática sistematizada no século 20 e, em princípio, se apoia em uma abordagem funcionalista. Nos anos 50, começa uma movimentação no sentido de questionar esse privilégio da função em detrimento da forma.
A pop art, na esfera da arte, e a escola italiana, na do design, também fazem uma reflexão paralela sobre a cultura popular e passam a introduzir elementos estéticos no processo de produção que até então era amparado no racionalismo. "A racionalidade entra em crise, a filosofia de produção começa a se apoiar em valores subjetivos, na intuição, na emoção", afirma Virginia Borges Kistmann, coordenadora da especialização em Designer Emocional da PUCPR e professora na pós-graduação do Departamento de Design da mesma universidade.
No pós-Segunda Guerra, a produção passa a ser orientada pela demanda e as empresas têm de olhar mais para o consumidor. A concepção inicial de padronização começa a dar espaço para produtos mais individualizados. Hoje, é possível encomendar um Volkswagem com as características que se deseja; comprar um tênis Nike com cara de customizado; ter o corpo escaneado e encomendar um jeans sob medida; enfim, embutir seus desejos e expectativas nos produtos que passam a sensação de serem personalizados.
Uma das maiores lojas de departamentos do país tem como mote algo como "você tem um estilo, nós temos todos". Ou seja, a loja atende à massa, mas também atende aos variados nichos. "Como atualmente a tecnologia já não define o padrão, a forma com que o produto afeta o consumidor emocionalmente vai definir a compra", avalia Virginia.
O termo design emocional, título do livro homônimo de Donald Norman (aquele cuja capa traz o espremedor de laranja que parece um foguete), remete a ligação afetiva que desenvolvemos com os objetos. Uma de suas correntes, representada pelos brasileiros irmãos Campana, faz a crítica à estética funcionalista e, apesar de esses objetos serem feitos em série, se apoiam em processos artesanais. "O manual é um valor emocional", diz Virginia.
Ou seja, o emocional não elimina a racionalidade, mas sim coloca por trás da concepção dos objetos uma filosofia.
Nesse sentido, o design sustentável e o artesanal também podem ser colocados dentro do conceito de design emocional.
E aí voltamos à minha mãe, que nunca estudou design, mas intuía que a cabeceira da cama teria de ser lixada e seria mais acolhedora se tivesse um tom claro com motivos infantis para uma mocinha de 6 anos.




