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Eles falam em botar boi, dançar tambor e fazer um cacuriá com a maior naturalidade. Bordam roupas multicoloridas com miçangas, andam com tamancos próprios para dançar o fandango e têm os mais variados enfeites de festas do interior. Aliás, o que eles acham estranho é que alguém considere isso exótico, sendo que estamos todos no Brasil. Exótico, dizem, seria se eles resolvessem cantar ópera, tocar piano clássico ou algo do gênero.

Eles são os integrantes do Mundaréu, um grupo curitibano que entra em seu décimo ano de existência com sete espetáculos montados e três discos gravados. Cada um dos cinco componentes vem de um lugar e de uma origem artística diferentes. Todos se conheceram na FAP, a Faculdade de Artes do Paraná. Descobriram na instituição o gosto em comum por manifestações tipicamente brasileira, aquelas normalmente associada ao interior, ao meio rural, intocadas por modas ou por interesses comerciais. E decidiram pesquisar o assunto um pouco mais a fundo.

"Não estamos resgatando nada", diz Itaércio Rocha, dançarino maranhense que vive em Curitiba há 15 anos. "Estamos é sendo resgatados dessa mesmice que a mídia cria", completa. O grupo tem uma teoria de que a arte popular brasileira continua vivíssima, mesmo nos grandes centros urbanos. Mesmo no Sul. Curitiba, por exemplo, tem afoxés, folias de reis, grupos que tocam o tambor de crioulo. ‘Nós somos ensinados a não prestar atenção nessas coisas", diz a paulista Daniela Gramani, uma das fundadoras do grupo.

O curioso é que, mesmo atuando em uma cidade que se considera mais européia e tida como fria, o grupo tem conseguido sucesso em sua luta pela difusão da arte popular. Além dos três discos, consegue bons públicos para seus espetáculos e mantém seus integrantes vivendo da própria arte – incluídas aí as diversas oficinas ministradas ao longo do ano.

Uma das explicações para o sucesso talvez esteja em outra teoria defendida pelo grupo: a de que essa história de que Curitiba é européia não passa de uma farsa, uma pequena fraude que não se sustenta. Para eles, a imigração dos europeus no fim do século 19 não mudou totalmente um território que já tinha séculos de convivência entre portugueses, índios e escravos negros.

Outra explicação possível para eles serem mais ouvidos do que o pessoal do interior que toca os mesmos estilos e faz as mesmas festas poderia estar na formação universitária do Mundaréu. Todos eles são pesquisadores em alguma área e todos são formados pela FAP. Segundo eles, isso faz muita diferença para conquistar respeito em uma sociedade que nem sempre é aberta a ouvir as camadas mais pobres da população.

Os espetáculos do Mundaréu são quase todos misturas de diversas artes. Põem lado a lado a dança, a música, o teatro, os bonecos, os figurinos das festas populares. "Eu tinha vontade de ser atriz, de fazer música, de dançar", conta Melina Mulazani, a autora do nome do grupo. Ela diz que estava resignada a escolher apenas uma das áreas em que tinha interesse, para se especializar e fazer isso bem feito. "Então descobri que havia essa oportunidade de juntar tudo o que eu gostava", fala.

Atualmente, além dos três membros que estão juntos desde a primeira apresentação, o grupo conta ainda com as participações da curitibana Dayse Santiago e de Thayana Barbosa, de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. As duas contam que, antes de entrar para o grupo, já vinham acompanhando as apresentações. Fizeram contato e entraram. Dayse trabalhava com grupos de tradição polonesa e circo. Thayana fazia música clássica. Hoje as duas fazem de tudo um pouco no grupo. Até bordar as próprias roupas.

O espetáculo mais recente do grupo é o Forféu do Mundaréu, nascido de uma brincadeira com o cacuriá, ritmo tradicional do Maranhão. Tem dado certo: no fim de semana passado, cerca de 700 pessoas assistiram à apresentação na Sociedade Vasco da Gama, o famoso Vasquinho. "O que a gente gosta mesmo é de festa", brinca Thayana. E eles parecem não perder mesmo o pique por nada. Dayse, mãe há dois meses do pequeno Benedito, participou no sábado passado do Forféu. Nos intervalos, saía para dar de mamar a seu bebê. Para ir aos ensaios, ela conta com a ajuda da mãe. "Mas venho sempre, em todos os ensaios, três vezes por semana", conta ela. Coisa de quem é apaixonado pelo que faz.

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