
O Festival de Teatro entra na segunda semana com experimentalismo.
Na mostra principal, os monólogos Oe, Surfacing e Meu Saba prometem trazer visões artísticas únicas numa roupagem inovadora.
A paralela Fringe, tradicionalmente um espaço dedicado a novas abordagens cênicas, traz sucessos da cena alternativa de 2014 e estreias. Há muitas peças vindo de fora e a Gazeta do Povo falará delas nos próximos dias.
Em relação ao material local, o abrigo por excelência daquilo que vem se destacando na cidade costuma ser a Mostra Novos Repertórios, que integra o Fringe, mas tem curadoria, diferentemente da maior parte dos espetáculos da mostra paralela.
A seleção deste ano, que já era pequena, com três peças, ficou menor ainda com o cancelamento de O Carvalho, cujos atores estão no Rio de Janeiro e não poderão vir.
Por outro lado, uma das peças selecionadas, Bifes_1, é composta por cinco solos, e traz, portanto, cinco chances de conferir talentos locais. Estreada no meio do ano passado, a coletânea de monólogos tinha inicialmente seis capítulos (quem falta é Má Ribeiro).
Patrícia Cipriano, Luiz Bertazzo, Dimis Jean Sores, Sávio Malheiros e Ciliane Vendruscolo trabalharam durante vários meses a partir de influências artísticas tão diversas quanto Clarice Lispector e o comediante Mazzaropi. O resultado são peças que funcionariam isoladas também, cada uma com cerca de uma hora. Mas, vistas no conjunto, acabam dialogando entre si, com passagens de atores entre uma e outra.
A estreia que a Mostra Novos Repertórios traz durante o Fringe é uma homenagem a um dos dramaturgos brasileiros mais curiosos e desconhecidos: Qorpo Santo (nome artístico de José Joaquim de Campos Leão, que viveu entra 1829 e 1883). O projeto surgiu de uma parceria da diretora Nina Rosa Sá com o ator e compositor Leo Fressato, ainda durante a faculdade de direção cênica.
“Acabamos nos apaixonando pela obra dele e achamos que não tínhamos explorado tudo o que podíamos”, diz Nina.
Reunindo a criação de um espetáculo, vídeos e trilha sonora original, o grupo passou no edital Rumos Itaú Cultural e agora traz à tona toda essa pesquisa.
A ideia de trabalhar com várias linguagens ao mesmo tempo tem relação com a própria obra de Qorpo Santo, que em suas peças propunha canções. Pegando esse viés, Fressato musicou algumas letras do autor, verteu parte do material para o francês e criou trilhas que mesclam a música eletrônica com o pop, hip hop e outros estilos. Os vídeos serão colocados no ar na quinta-feira no canal do Youtube Qorpo-Santo 3 Linguagens, e a trilha sonora irá para o site do projeto, de onde poderá ser baixada.
O que Qorpo Santo deixou como obra são 17 peças escritas em 1866, antes de seu internamento num manicômio e da perda de seus bens.
“Ele ainda é um autor visto como maldito, underground, e pouco montado até pelo grau elevado de dificuldade. Ele era um gênio no conteúdo, mas não entendia a forma do teatro, chamava de ato o que não compunha um ato, tinha rubricas absurdas”, explica Nina.
A partir desse material, Nina enlaçou a dramaturgia abarcando “quase tudo” que ele deixou escrito no espetáculo Amanhã Sou Outro. Entre o material está a mais comumente montada, As Relações Naturais.
Algumas questões abordadas ainda são polêmicas, 150 anos depois, como a presença de um casal homossexual e as disputas como governo.
No elenco estão Ciliane Vendruscolo, Cleydson Nascimento, Debora Vecchi, Jeff Bastos, Rubia Romani e Leo Fressato. Amanhã Sou Outro tem um início mais formal e aos poucos vai sendo desconstruído, mais ou menos como o fluxo de consciência (que poderia ser involuntário, na opinião de Nina) usado pelo autor muito antes desse recurso ser adotado pela literatura romanesca.



