
O Brasil é uma pátria de órfãos, abandonados pelos pais, pela sociedade e, sobretudo, pelo Estado. Alguns dos filmes mais importantes realizados a partir da Retomada (1995) da produção nacional tratam do tema: Central do Brasil (1998), Cidade de Deus (2002) e o documentário Ônibus 174 (2002) o discutem, cada um a sua maneira. Antes disso, no entanto, outro longa-metragem, talvez o mais importante produzido no país na década de 80, havia abordado magistralmente o assunto. Trata-se de Pixote A Lei do Mais Fraco (1981), de Hector Babenco.
O filme, inédito até agora em DVD no Brasil, finalmente chega às locadoras como parte do relançamernto em edições restauradas e remasterizadas quadro a quadro, em Los Angeles da filmografia do cineasta argentino naturalizado brasileiro.
Neste mês, também serão lançados pela Europa Filmes para locação o campeão de bilheterias Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977) e a produção internacional rodada na Amazônia Brincando nos Campos do Senhor (1991). Em novembro, será a vez de O Rei da Noite (1975), estrelado por Marília Pêra e Paulo José, e O Beijo da Mulher Aranha (1985), que deu a Babenco uma indicação ao Oscar de direção e ao norte-americano William Hurt a estatueta de melhor ator.
Para 2010, a Europa prepara uma caixa com oito títulos do diretor.
Além dos cinco já citados, estarão presentes na coleção Coração Iluminado (1996), Carandiru (2003) e O Passado (2007), já disponíveis no mercado. Apenas um filme ficou de fora: Ironweed (1987), adaptação do romance vencedor do prêmio Pulitzer Vernônia, do americano William Kennedy. Babenco (e a distribuidora brasileira) não conseguiu negociar os direitos de lançamento em DVD da produção, estrelada por Jack Nicholson e Meryl Streep, ambos indicados ao Oscar por suas atuações, Nos EUA, o filme foi distribuido nas telas pela TriStar, estúdio integrante da Columbia Pictures (hoje pertencente à holding Sony Pictures).
O mais fraco
Pixote, a Lei do Mais Fraco parte do livro A Infância dos Mortos, de José Louzeiro, para contar a história de um grupo de meninos que vivem rua, com idades entre 10 e 14 anos, que se aproximam numa instituição correcional (a Febem) de São Paulo: Pixote (Fernando Ramos da Silva, morto na juvantude em um assalto), Lilica (Jorge Julião), Dito (Gilberto Moura), Diego (José Nilson dos Santos) e Chico (Edilson Lino).
Depois de testemunharem e sofrerem na pele a violência dos guardas do reformatório e a agressividade dos próprios companheiros de confinamento, os garotos fogem e passam a sobreviver de pequenos furtos que acabam desembocando em crimes de maior gravidade e desfechos trágicos para quase todos os integrantes do bando.
Primeiro envolvem-se com o traficante de drogas Cristal (Toni Tornado), que os encarrega de fazer uma entrega de cocaína no Rio de Janeiro a sequência da chegada dos meninos à Cidade Maravilhosa, onde muitos veem o mar pela primeira vez, é antológica.
Há uma grande confusão durante a transação e eles terminam por roubar dinheiro, que usam para se tornarem cafetões da prostituta Sueli (Marília Pêra, em brilhante desempenho, premiado internacionalmente), cujos clentes também passam a assaltar. Pixote, o mais jovem da gangue, acaba estabelecendo com Sueli com relação filial, um vínculo de proteção.
Rodado com extremo realismo e sem os malabarismos estéticos utilizados por Fernando Meirelles em Cidade de Deus, Pixote atesta tanto o talento de Babenco como exímio diretor de atores quanto como um autor econômico na narrativa, que escapa da tentação do melodrama e resulta perturbadora, enxuta e nada maniqueísta.
Quando lançou o filme, Babenco vinha do enorme sucesso comercial de Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, eletrizante drama policial que conta a história do assaltante carioca, vivido por Reginaldo Faria, conhecido como "o bandido dos olhos verdes". O êxito fora do país de Pixote, que chamou a atenção do mundo para a questão das crianças de rua no Brasil e tem fãs incondicionais como o diretor Spike Lee, fez do cineasta um nome em ascensão e disputado.
Por conta dessa notoriedade, chegou às suas mãos a possibilidade de rodar a adapatação para o cinema do best seller O Beijo da Mulher Aranha, do argentino Manuel Puig (1932-1990). A primeira opção para interpretar o homossexual Molina, que divide cela com o prisioneiro político Valentin (Raúl Julia) numa prisão latino-americana, foi Burt Lancaster, mas o veterano ator de O Leopardo não pôde fazer o papel.
William Hurt o substituiu e acabou ganhando o Oscar e a o prêmio de melhor interpretação masculina no Festival de Cannes. O longa, que alavancou a carreira internacional da brasileira Sonia Braga, foi indicado ao prêmio da academia em três outras categorias: filme, direção e roteiro adaptado.
O êxito de bilheteria e de crítica de O Beijo da Mulher Aranha e o prestígio alcançado por Ironweed renderam a Babenco um convite do prestigiado produtor Saul Zaentz (de Amadeus) para dirigir a adaptação do romance Brincando nos Campos do Senhor, de Peter Mathiessen, com Tom Berenger, John Lithgow, Aidan Quinn, Kathy Bates e e Daryl Hannah.
A história, considerada por muitos infilmável, foi rodada na Floresta Amazônica e retrata a trágica experiência de dois casais de missionários americanos no inferno verde do norte brasileiro. Apesar de vigoroso, o filme foi um fracasso comercial que merece uma revisão atenta agora, em seu retorno à cena no formato DVD.





