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POLÍTICAS PÚBLICAS

Fim de caso

Proposta de modificação da Lei Municipal de Incentivo prevê a extinção da modalidade Mecenato Subsidiado

 | Ilustração/Felipe Lima
(Foto: Ilustração/Felipe Lima)

Um projeto de modificação no gerenciamento da Lei Municipal de Incentivo à Cultura provocou a indignação de alguns setores da classe artística. "Querem acabar com o Mecenato Subsidiado sem nem discutir com os interessados", afirmam representantes de 13 casas de espetáculos teatrais de Curitiba que se reuniram para protestar contra a decisão. O novo projeto – que extingue a modalidade de Mecenato Subsidiado – foi apresentado no dia 19 de setembro pelo presidente da Fundação Cultural de Curitiba, Paulino Viapiana, aos integrantes da 2.ª Conferência Municipal de Cultura de Curitiba. "Não há nenhuma intenção de fazer uma reforma às escondidas, senão não teríamos submetido a proposta para análise dos conselheiros municipais". Em duas semanas, o projeto segue para a Câmara Municipal, onde serão feitas duas audiências públicas. "Como, aliás, foram feitas em 2005 durante a primeira revisão da lei. A comunidade terá a oportunidade de se manifestar", diz o presidente.

O fato de que a FCC não lançou este ano o edital do Mecenato também desagradou. "Propu­seram abrir dois editais anuais. Mas isso nunca aconteceu, houve somente um por ano, até que este ano não houve nenhum", diz a produtora Monica Drum­mond. Viapiana justifica que, en­­tre outras razões, a FCC não lançou o edital para não inflacionar o mercado. "Em 2008, autorizamos 149 projetos a captar no valor de R$ 9,5 milhões. Desse total, ainda há R$ 3,260 milhões para captar. Por que razão eu lançaria mais um edital de Mecenato para colocar no mercado mais R$ 10 milhões em certidões?"

Viapiana alega que se esse dinheiro fosse destinado ao Fundo, como a FCC propõe, os projetos teriam recebido o dinheiro assim que fossem aprovados pela comissão de avaliação. "No Mecenato, os recursos só se tornam reais se forem efetivamente captados. Historicamente, temos percebido que, em média, 20% dos projetos não conseguem captar. Essa perda é muito ruim para a cultura, que já tem orçamento muito pequeno", diz ele, que negociou com a Secretaria de Finanças para que, na proposta de mudança da lei, o saldo do final de um exercício possa ser utilizado pelo Fundo no exercício seguinte.

Mas a principal justificativa da FCC para a alteração na lei segue as tendências de uma discussão de amplitude nacional. "Como o Mecenato funciona hoje, as empresas não contribuem com nenhum centavo. Se o dinheiro é 100% público, elas não têm direito de escolher nada. Na nossa proposta, as empresas passam a ser parceiras com o seu próprio dinheiro e, assim, ga­­nham o direito de apoiar os projetos que queiram. Há 18 anos que a Lei existe e, em todo este tempo, nenhuma em­­presa colocou um único real próprio em projeto algum", diz.

O músico e produtor cultural Ulisses Galleto não concorda com o Mecenato como ele funciona hoje, mas aponta como única "alternativa viável uma discussão incansável com a população até que se chegue a um denominador comum". Ele vê riscos em canalizar todos os recursos para o Fundo. "Corre-se o risco de a Fundação abrir editais que sejam somente do seu interesse."

Outros artistas têm receios semelhantes. "Os editais são limitantes, têm um formato a que temos que nos submeter, lembra um processo de licitação, de compra de espetáculos", diz Giselle Lima, produtora do Es­­paço Pé no Palco, que participa do grupo que se mobiliza contra a nova mudança.

Contrapartida social

O diretor da FCC informa que a nova proposta de revisão prevê no artigo n.º 37 a criação de um edital livre anual com pelo menos 20% do valor total do orçamento do Fundo. "Significa que estamos fazendo dentro do Fundo um edital igualzinho aos editais do Mecenato. Se ele é livre, a Fundação não dirá o que deseja contratar, inclusive, sequer estabelece teto para este edital." Além disso, o novo formato reúne os editais em três grandes áreas, ampliando-se as possibilidades de adequação (leia quadro).

Os artistas alegam que um dos fatores que engessam o projeto aprovado em um edital é a exigência de contrapartida social. "Um trabalho artístico de pesquisa de linguagem ou outras obras que seriam inviáveis sem o apoio público justificam por si só o investimento", diz Galetto, lembrando que os editais obrigam a realização de oficinas.

"Vamos adequar a contrapartida social a uma modalidade mais compatível com a realidade dos projetos. Estamos abandonando as oficinas porque compreendemos que elas não são produtivas, mas é preciso devolver algo para a sociedade, nem que seja sob a forma de sessões extras de espetáculos, por exemplo", diz Viapiana.

Concorrer com projetos do próprio município, como restauros de espaços culturais e aquisição de novos equipamentos, é outro temor expressado pelos artistas. "A Lei nasceu para incentivar a produção artística e não as políticas do município", diz Adriano Vogue, produtor do Espaço Cultural Regina Vogue.

Viapiana confirma que a Comissão do Fundo pode destinar recursos para essa finalidade. "Temos lutado para aumentar a verba da FCC que, hoje, é suficiente apenas para manutenção e custeio. Mas agora que já revitalizamos boa parte de nossos espaços, será possível prever um período de mais alívio, em que não precisaremos recorrer ao Fundo."

Mérito

O grupo de produtores teatrais se opõe também ao julgamento de mérito, implantado a partir de 2005 no lugar da avaliação orçamentária e documental. "Curi­­tiba foi pioneira ao adotar o mérito, tanto que hoje o governo federal o está introduzindo na revisão da Lei Rouanet. Acho que não é possível se distribuir dinheiro público de outra forma", diz Viapiana.

"Pela avaliação da FCC, se não temos o perfil, ficamos sem trabalho. São as mesmas pessoas que avaliam os projetos e o gosto pessoal sempre é levado em consideração", explica Giovani Cesconetto, proprietário do teatro Espaço da Criança. Viapiana explica que a comissão de avaliação dos projetos é paritária, com 50% de representantes da sociedade e 50% do poder público.

Há, é claro, quem discorde. "Em época de recursos escassos, algum tipo de canalização precisa haver. Se você tem uma realização artística que do ponto de vista comercial tende a ser sucesso porque precisa de recursos o públicos para investir?", opina Galetto.

A polêmica está lançada. Resta agora, como diz o músico, partir para "um debate exaustivo" antes de se tomar qualquer decisão. * * * * *

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