• Carregando...

Quando Aurora Constanti, atriz amada pelo público e odiada por seus colegas de bastidores, é morta com um tiro certeiro em seus seios siliconados, a novela das oito que protagonizava atinge o ápice de audiência. Pego de surpresa, o autor da trama, o megalomaníaco Everardo Lopes, precisa matar a "mocinha" novamente, desta vez na telinha. Chega a ter uma ereção ao saber que o assassinato gerou inimagináveis 98 Tiros de Audiência.

Este é o título do 14.º livro de Aguinaldo Silva, autor de mais de uma dezena de telenovelas de sucesso. Ao nomeá-lo, Silva inspirou-se em um recorde pessoal: desde 1985, quando a Rede Globo exibiu Roque Santeiro (co-parceria de Silva e Dias Gomes), nenhuma outra novela atingiu tal marca.

O romance, lançado este mês pela Geração Editorial/Ediouro (296 págs., R$39,90), um policial sobre os bastidores da telenovela, é quase um tratado sociológico sobre a variedade de "tipos" envolvidos na realização deste produto que, desde que passou a ser exibido no Brasil, é o mais rentável da televisão. "A novela é o único programa que se paga e dá lucro. A novela das oito paga o salário de todo mundo na TV Globo", declara Silva.

Três décadas como autor de telenovelas renderam ao escritor uma coleção de histórias "inenarráveis", que vão de acessos de raiva de atrizes vaidosas a atitudes arrogantes de diretores de TV –, muitas delas narradas no livro. "São todas reais, mas a cada uma eu acrescentei os temperos da ficção. Ou seja, embora sejam reais, são mentirosas", despista Silva, com a argúcia típica de um autor de novelas.

A narrativa, que utiliza elementos da linguagem de telenovela, satiriza a fogueirinha de vaidades tupiniquim dos bastidores das telenovelas. O autor não poupa farpas nem mesmo a si próprio. "Everardo Lopez sou eu. Precisava de um autor e não seria justo que pensasse em outra pessoa. Claro que não sou tão aloprado quando ele, mas às vezes sou um pouquinho", brinca. Ele se refere ao esforço nem sempre bem-sucedido para manter a sobriedade ao saber que o seu folhetim é visto diariamente por 40 milhões de pessoas.

Silva explica que o livro é uma grande brincadeira com o veículo do qual depende e trabalha há 30 anos, mas serve para desmistificar o endeusamento de atores e atrizes, culpa sobretudo da mídia especializada. "Não somos deuses, somos pessoas comuns, com uma carência muito forte, já que lidamos basicamente com a emoção" diz.

Travessia de caravela

Mal lançou o livro, Aguinaldo Silva viajou para Lisboa, onde se esconde para escrever a sinopse de sua próxima novela das oito, com o título provisório de Duas Caras e previsão de exibição em 2008. Até lá, ele pretende se dedicar à escrita de mais um livro, Diário Carioca, outro policial, desta vez sobre a violência no Rio de Janeiro. "Mas, vou demorar alguns anos pra escrever porque vou ter que parar para fazer novela", frustra-se. Aos 52 anos, Silva parece estar um pouco cansado do esquema de produção televisivo. "Escrever uma novela é uma travessia de caravela. O ato de escrever não é tão difícil, às vezes é muito prazeroso, mas não acaba aí, tem a relação com a produção, as pressões do público, da audiência, dos atores. Quando você acaba uma novela, está seco. Se apertar não sai nem uma gota", diz.

É por isso que Silva gosta de dizer que "está" autor de novelas – considera-se, de fato, jornalista e romancista. Pernambucano de Carpina, começou a escrever aos 14 anos. Mais tarde, tornou-se um dos repórteres de polícia mais conhecidos do país. Em 1979, a especialidade o levou à Rede Globo, como co-autor da série Plantão de Polícia. A proposta para escrever novelas veio quase como uma intimação. Um belo dia, Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, então diretor de programação da emissora) comunicou a Silva que ele faria a próxima novela das oito. "Até esse momento, eu nunca tinha visto uma novela inteira", conta. A omissão tem justificativa: o autor trabalhava à noite na redação do jornal O Globo.

Voltando ao livro, 98 Tiros de Audiência não daria um novela metalingüística? O autor responde com uma gargalhada. "Novela não creio, pois faltam a mocinha e o herói. Talvez uma minissérie. O problema é quem ia querer produzir".

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]