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Espaço

Forró à venda

Calamengau, casa que já recebeu Elza Soares e Tom Zé, pode fechar depois de 25 anos promovendo a música nordestina

Maérlio Fernandes Barbosa, o Ceará, se diz cansado da noite | Hedeson Alves/Gazeta do Povo
Maérlio Fernandes Barbosa, o Ceará, se diz cansado da noite (Foto: Hedeson Alves/Gazeta do Povo)

Quando tira as sandálias de couro, ergue a barra das calças e coloca uma perna sobre a outra no palco vazio para falar sobre o possível fim de absolutamente tudo aquilo que o rodeia, o chapéu de palha até teima em se mexer um pouco para os lados, mas é logo ajustado com ambas as mãos na mesma hora em que uma voz segura e determinada dispara: "Já são 25 anos nesta vida e chega um ponto em que é desgastante demais. Principal­­men­­te para nós, que não trabalhamos com modismos, e sim procuramos oferecer o que acreditamos ser boa música".

O sujeito, voz macia e sotaque já desbotado embora não perdido, é Maérlio Fernandes Barbosa, o Ceará. É possível afirmar que ele foi o responsável por introduzir e promover o forró em Curi­­tiba – entre outras atividades e produções culturais que tocou. Mas quem gosta do ritmo nordestino terá de arranjar outro salão para bailar aos sábados. O Espaço Cultural Calamen­­gau – que mantém em parceria com a Sociedade Vasco da Gama – está à venda por R$ 200 mil. E já há interessados.

"Chega uma época em que que­­remos mudar, não é? Eu gosto muito de cozinhar e sempre pesquisei comidas regionais. Acho que, com todos os meus 56 anos, está na hora de tentar algo novo. Por isso, vou partir para a gastronomia", diz Ceará, que pensa em abrir em Curitiba um restaurante de comidas típicas brasileiras. Com "coisas bonitas de se ver".

Aos interessados, um aviso. Tudo está à venda. De cadeiras a porta-guardanapos; de caixas de som a cinzeiros, ainda que agora seja proibido fumar em lugares fechados. São mil metros quadrados de Calamengau, divididos em um salão – com capacidade má­­xima para mil pessoas –, um depósito, dois banheiros, um ca­­marim, dois bares, uma cozinha, uma chapelaria, despensa, além de escritório e bilheteria. "Daqui só vou levar saudade", diz Ceará, ajeitando novamente o chapéu, sempre presente.

Só festa

A história do Calamengau começa em 1984, quando da fundação, em Curitiba, de um grupo de música com este nome encabeçado por Ceará. Em bom "cearês", calamengau quer dizer algo que "ressalta o prazer". Mas ele já estava na estrada da música desde que nasceu, em Juazeiro do Norte (CE). Lá, conviveu com o forrozeiro Luiz Gonzaga e com o poeta, compositor e improvisador Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva), entre outros. "Meu pai dizia que o dinheiro mais bem gasto é em festa", re­­lembra.

Depois veio a Turma do Xote, criada em Campo Mourão (PR), após ter migrado para o Sul. Ceará conseguia espantar os jovens que pulavam como "man­­gotes de pi­­poca" ao ouvir Beatles e fazia sua música prevalecer. Já em Curi­­tiba, a história do Cala­­men­­gau seguiu com a abertura de uma petiscaria ao lado da Reitoria da Universidade Federal do Pa­­raná e com outro investimento co­­mer­­cial homônimo no Alto da Glória, que foi definitivo na escolha do rumo profissional. "O bar não dava lucro, só o forró que fazíamos nos fins de semana. Curitiba es­­tava pronta para receber a mú­­si­­ca tradicional nordestina", conta Ceará.

Já no Espaço Cultural Cala­­men­­gau, o que ainda comanda a festa aos sábados é o forró pé-de-serra – "aquele que é só en­­costar, arroxear e sair peneirando". Foram cerca de 900 shows e lá também se apresentaram Do­­minguinhos, Pedro Luis e a Pa­­rede, Tom Zé, Hermeto Pas­­coal e Elza Soares – esta em 1997, 2003 e 2005. "No primeiro. tivemos prejuízo. No segundo, em­­patamos e, no terceiro, ga­­nhamos um tiquinho", diz Ceará, militante político na década de 1970 e também avicultor, bovinocultor, vendedor de armas, ferramentas, explosivos, louças, vidros, ações, livros (de porta em porta), assessor, funcionário público municipal e estadual, bancário, artesão em couro e madeira, professor de artes industriais... "É mais fácil perguntar o que eu não fiz", afirma.

Os três funcionários fixos e os cerca de 25 contratados em dias de grandes festas esperam agora uma definição do que será o Calamengau. Segundo o proprietário, já há dois interessados na área. Ambos ligados a produções culturais de "boa qualidade". Mas neste e em outros sábados continuarão a trabalhar. "Não tenho prazo nem pressa. Na hora em que vender, vendeu."

Serviço

Espaço Cultural Calamengau (R. Dr. Roberto Barrozo, 1.190), (41) 3338-7766.

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