
Durante a Copa do Mundo, se algum estrangeiro por acaso der folga às caipirinhas e decidir se aprofundar na história do Brasil, o caminho é o Museu Oscar Niemeyer (MON). A revista O Cruzeiro, publicação de maior sucesso do país durante quase seis décadas, com picos de tiragem de 720 mil exemplares nos anos 1950, retratou em "padrão FIFA" acontecimentos tão importantes e díspares como a aventura dos irmãos Villas-Boas durante a expedição Roncador-Xingu, na década de 1940; e a construção de Brasília, até idos dos anos 1960. Parte fundamental do sucesso da publicação foram as fotografias. Ou melhor, o fotojornalismo, que, no Brasil, se criou na O Cruzeiro uma das empreitadas de Assis Chateaubriand (1892-1968).
SLIDESHOW: Veja algumas fotos que estão expostas no MON
Em cartaz em quatro salas do MON desde a última quinta-feira, a exposição Um Olhar sobre O Cruzeiro: as Origens do Fotojornalismo no Brasil traz 450 imagens de 16 fotógrafos colaboradores da revista, que circulou e fez barulho entre 1928 e 1975. Vídeos com entrevistas e depoimentos de alguns deles, além de uma edição virtual e interativa da publicação, complementam a mostra, verdadeiro retrato do Brasil.
A exposição veio do Rio de Janeiro e está em peregrinação pelo país. O curador é Sergio Burgi, também coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles origem da maior parte do acervo. Devido à importância da revista e do acervo gigantesco quase 200 mil negativos Burgi quebrou a cabeça para fazer um recorte específico.
Por isso, nas primeiras salas, a década de 1940 é a vedete. As fotografias surgem contextualizadas, como estratégia de narrativa. O trabalho de Henri Ballot é de encher os olhos. Filho de franceses, Ballot que também era piloto de avião fez a maior série de imagens sobre a expedição dos irmãos Villas-Boas, que culminaria, em 1961, na criação do Parque Nacional do Xingu. "Foi a nossa marcha para o oeste," atesta Burgi. Aquele paradoxo clássico entre o índio norte-americano e a locomotiva ganhou sua versão tupiniquim na mostra, destaca-se a foto de um índio ensimesmado com a hélice de um avião bimotor.
Linguagem
Um certo sensacionalismo e a busca por uma linguagem visual ideal em detrimento do registro objetivo como a utilização de luz artificial em algumas fotos de Ballot ajudaram a alavancar as vendas da O Cruzeiro, que surgiu como imitação das norte-americanas Life e Photoplay, mas que achou sua verve própria quando repórter e fotógrafo passaram a trabalhar em sintonia.
No pós-guerra, um jornalismo de caráter menos exato e mais humano surgiu quase que naturalmente. Foi nessa época que a agência Magnum, de Cartier Bresson (1908-2004), se estabeleceu. O Cruzeiro acompanhava o ritmo e, principalmente com o fotógrafo José Medeiros, apostou em uma corrente humanista, engajada e até missionária. A paisagem dava lugar a retratos.
Patriotadas
O sucesso chegou, e O Cruzeiro, mais importante veículo de comunicação do Brasil, mesmo com a chegada vagarosa da tevê, tomava para si um viés nacionalista. Mas eis a rusga: Gordon Parks, fotógrafo da Life, fez uma fotorreportagem sobre um garoto chamado Flávio, que vivia em condições sub-humanas em uma favela do Rio de Janeiro. Alguns meses depois, numa edição de 1960, O Cruzeiro foi à forra. "Havia uma necessidade de responder à Life, como se eles houvessem mexido com os brios do país", conta Burgis.
A ideia foi mandar Henri Ballot caçar flagrantes nos bairros mais pobres de Nova York. A resposta pecou pelo excesso. Em uma das fotos, baratas foram colocadas propositalmente sobre um garoto. "O Cruzeiro era genial, mas, como tudo na vida, algumas bobagens também fizeram parte de sua história", diz Burgi.












